|Crítica| 'A Verdadeira Dor' (2025) - Dir. Jesse Eisenberg
Crítica por Victor Russo.
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'A Verdadeira Dor' / 20th Century Studios
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Kieran Culkin rouba o filme para si, enquanto Jesse Eisenberg funciona como o olhar passivo do público tanto dentro da narrativa, quanto por trás das câmeras
Em seu segundo longa-metragem como diretor, Jesse Eisenberg, judeu de decendência polonesa e que vive David (protagonista do longa), sugere uma investigação à respeito de suas origens e a busca por uma preservação da memória do holocausto, mas, aos poucos, vai cedendo essa premissa a um olhar muito mais profundo sob Benji (Kieran Culkin). A viagem que une os personagens a outros tantos em um grupo vai se transformando em uma desculpa, enquanto o filme vê no personagem esse enigma, entre o que diz e cativa aqueles que se relacionam com ele, e a dor reprimida, que nunca entendemos por completo. É justamente esse ambiguidade entre o falar e o guardar que dominam a narrativa de A Verdadeira Dor, ora bastante expositiva, com personagens dizendo o que sentem, abrindo-se perante recém conhecidos, ora focalizando o silêncio daquele que levanta um muro de humor e desconforto para não precisar expor quem é e o que realmente sente.
Eisenberg escolhe então um caminho de segurança formal, tanto na seleção dos planos e sua ordenação, passando de planos mais abertos para diálogos em planos mais aproximados, sobretudo plano-médio e primeiro-plano, com um ou outro close, e se utilizando de enfeites bem usuais, como os jump cuts para passagens de tempos que criam efeitos de humor (utilizado já logo de cara quando David tenta contatar sem sucesso Benji, para depois ser surpreendido pelo primo no aeroporto), quanto na própria utilização dos códigos de gêneros como artifícios para modular uma narrativa a partir daquilo que historicamente foi (e segue sendo) o padrão hollywoodiano, o melodrama com aprofundamento emocional de um personagem, seguido por quebras de humor que suavizam o tom para não deixá-lo soturno demais.
Entretanto, o cineasta não se utiliza de tal abordagem de maneira indiscriminada e aleatória, mas faz de Benji, ou melhor, de Culkin, esse objeto modulador da narrativa. Com exceção de um momento específico, em que Benji se retira de cena e permite a David o espaço para se abrir e revelar tudo que sente, em uma espécie de monólogo com cara de Oscar tape, mas que ainda assim tem o primo como tema, todo o restante do longa é uma espécie de olhar para Culkin, como se Eisenberg não tivesse realmente o controle, assim como o seu personagem nunca tem das ações que virão a seguir, mas tudo fosse mediado, manipulado e desenvolvido a partir de Culkin. Benji, em algum sentido, não deixa de ser uma espécie de persona do ator, quase interpretando a si mesmo, na forma de olhar, nas pausas que faz a contragosto, na velocidade com que fala e sobrepõe os outros e, principalmente, nessa quebra da expectativa social, dizendo o que pensa de forma um tanto agressiva e inesperada para gerar um desconforto tanto nos personagens, quanto no próprio espectador.
Assim, se o filme quer fazer rir, é porque Benji não está levando algo a sério. Se pega mais pesado, como na cena do trem ou quando questiona o guia e sua abordagem, o longa todo entra nesse tom mais sério. Se tem jump cuts de David fazendo coisas banais é justamente porque Benji não está ali presente. É como se Culkin fosse tão energético e dominante que roubasse o filme para si, e restasse a Eisenberg ser o olho do público para essa investigação de Benji, tanto dentro da narrativa, sendo David bastante passivo, quanto por aquilo que deseja mostrar como diretor. Não à toa, o momento de conexão entre os personagens vai ser o único filmado a partir de uma mise en scène mais expressiva, com uma luz neon vermelha dominando a cena e os rostos sendo colocados sobrepostos. No restante, vemos aquilo que Benji permite que descubramos sobre ele, com o início e o final preservando um certo mistério sobre esse personagem que tanto fala e se abre, mas que, no fundo, tem uma caixa em que esconde o que realmente sente.