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|Crítica| 'A Noite do Dia 12' (2023) - Dir. Dominik Moll

|Crítica| 'A Noite do Dia 12' (2023) - Dir. Dominik Moll

Crítica por Victor Russo.

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'A Noite do Dia 12' / Pandora Filmes

 

Título Original: La Nuit du 12 (França)
Ano: 2023
Diretor:  Dominik Moll
Elenco : Bastien Bouillon, Bouli Lanners, Anouk Grinberg, Mouna Soualem, Pauline Serieys e Théo Cholbi.
Duração: 114 min.
Nota: 3,0/5,0

 

“A Noite do Dia 12” cria uma interessante investigação sobre o controle de homens incapazes de entender as mulheres, ainda que sinta a necessidade de reforçar o discurso por meio de diálogos

Alguém que ainda não conhecemos anda de bicicleta em um velódromo. Em seguida, vemos uma festa de despedida, que coloca o mesmo personagem agora como o capitão da polícia. Só então, na mesma noite, somos transportados para observar uma garota saindo da casa da amiga durante à noite, antes de ser queimada viva por alguém que fala o seu nome, Clara, antes de assassiná-la. O fato do longa abrir com Yohan, que virá a ser o protagonista do filme, e nunca mais mostrar Clara é bastante emblemático. Por mais que a morte brutal da personagem mova a trama, o interesse do cineasta Dominik Moll é a observação desses homens no controle e questionando a sua própria masculinidade e, principalmente, a falta de entendimento que eles têm das mulheres, bastante evidenciado não só nos possíveis suspeitos que se acumulam, mas também no side-kick Marceau, com problemas conjugais que não compreende, ou mesmo no próprio Yohan, ainda que ele seja mais sensível que a maioria, travando ao ver a foto da vítima ou vendo valor na nova colega de profissão. Não à toa, o filme parece só dar atenção maior para Clara quando duas mulheres entram na trama e tentam resolver o que tinha sido deixado de lado.

Em certo sentido, “A Noite do Dia 12” tem em sua essência o próprio olhar comum ao cinema, presente desde o voyeurismo hitchcockiano até a teoria feminista do cinema. Entretanto, se essa ideia está comumente atrelada a uma certa exibição da mulher, aos homens a observando como objeto de prazer, esteja ela consciente ou não disso (poucas sequências brincam tão bem com essa dinâmica quanto Paul Verhoeven em Instinto Selvagem e a cena do interrogatório), Moll subverte essa dinâmica ao remover rapidamente o feminino da trama. Clara segue sendo o foco da investigação, enquanto esses homens falam sobre ela sem qualquer pudor, mas, nesse sentido, ela é muito mais uma presença como Laura (filme de Otto Preminger), ainda que sem uma aura espiritual que proíba o masculino de objetificá-la, ridicularizá-la e culpá-la pelo crime em que ela é a vítima. 

É bem verdade que o filme reveste bem, durante boa parte da projeção, esse olhar como algo natural à motivação. Em um mundo em que os homens são incapazes de entender as mulheres, sexo pode ser o desencadeador para que o crime seja cometido. Assim, é natural que Yohan e Marceau perguntem sobre a vida sexual de Clara e o seu comportamento em seus relacionamentos. Nesse sentido, ainda que longe de traçar os investigadores como santos, o longa deixa aos suspeitos o ódio transparecer pela vítima. É quase como se ele eximisse a maior culpa dos policiais ao retratar a burocracia e a falta de verba e interesse estatal para a solução do crime, o que aparece desde uma impressora quebrada que atrapalha a feitura dos relatórios até a elipse que nos informa repentinamente que a investigação foi engavetada por anos. É uma sensação de que, apesar deles serem indiretamente parte do problema, ao não entenderem as mulheres e por ter apenas homens investigando casos de feminicídio, há uma sensação de que, dentro dos limites legais, eles fizeram tudo que podiam, sobretudo Yohan, que remói por anos a culpa de não ter feito justiça, como se devesse isso a Clara.

Entretanto, por mais que Moll trabalhe bem com esse gosto amargo da exclusão do feminino em problemas que atingem diretamente as mulheres, há uma necessidade pontual de explicação e obviedade que soa quase como um pedido de desculpas do diretor. Isso definitivamente não ocorre com a entrada da juíza e da policial em cena, suas presenças são escolhas interessantes para reforçar o problema organicamente. O mesmo não ocorre com algumas frases de efeito, como a da amiga da vítima dizendo que ela só foi morta por ser mulher ou da própria policial falando que são homens investigando homens assassinando mulheres. É uma necessidade de reforçar temas por meio de diálogos que só existem para dizer sobre o que o filme é, algo bem sintomático do cinema contemporâneo, um impedimento ou desconfiança na percepção do espectador. O que nesse caso dá uma sensação de ser Moll dizendo “eu estou colocando os homens a cargo da investigação porque é assim que funciona, mas eu não compactuo com isso”. Só não poderia ser mais óbvio do que a metáfora final do protagonista sendo “liberto” ao trocar a pista oval sem início e fim definido (uma espécie de prisão pessoal) para pedalar na rua. Ou melhor, em estradas íngremes, para mostrar que ele se libertou, mas o caminho pela frente é longo e dificultoso.

 

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