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|Crítica| 'A Natureza do Amor' (2024) - Dir. Monia Chokri

|Crítica| 'A Natureza do Amor' (2024) - Dir. Monia Chokri

Crítica por Raissa Ferreira.

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'A Natureza do Amor' / Imovision

 

Título Original: Simple Comme Sylvain (Canadá)
Ano: 2024
Diretora: Monia Chokri
Elenco: Magalie Lépine-Blond, Pierre-Yves Cardinal, Francis-William Rhéaume, Monia Chokri e Steve Laplante.
Duração: 112 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Para explorar o que é o amor e o que é o desejo, Monia Chokri vai na essência da comédia romântica e questiona como as diferenças culturais e sociais interferem nos sentimentos

A vida de Sophia (Magalie Lépine-Blondeau) está prestes a ser abalada quando Monia Chokri apresenta sua protagonista ao espectador em uma zona de conforto, no seu mundo intelectual, do relacionamento estável, em uma mesa redonda em que todos podem falar sobre as mesmas coisas e terem seus pensamentos alinhados e validados. Não é nem de longe a construção de uma realidade perfeita que se propõe, o casal de amigos briga, as crianças gritam e logo uma nova mulher chega despertando o interesse em seu namorado, mas é esse estado das coisas em que tudo parece confortável embora não seja ideal, essa construção de que aquelas pessoas pertencem àquele espaço que Chokri explora para, em seguida, balançar o conformismo de Sophia. Ela nem imagina que sua vida será atravessada, mas já deseja algo diferente em seus devaneios, é como se A Natureza do Amor entrasse na vida dessa mulher que já existia e, a partir de sua intervenção fílmica, a utilizasse como experimento. É assim que o gênero vem com seus elementos mais clássicos, por exemplo, quando Sylvain (Pierre-Yves Cardinal) aparece pela silhueta quase como um interesse romântico de folhetim, uma espécie de lenhador que vem para arrebatar a princesa de seu reino intelectual para desbravar o campo e sua simplicidade. O conflito aqui, pautado nessa comédia romântica, é principalmente de classe e de cultura, logo, acima de tudo, a pergunta que o filme levanta é até que ponto os relacionamentos, ou o amor, se sustentam quando as diferenças nesses campos são muitas.

Monia Chokri tem um estilo bastante ansioso de conduzir seu longa, a câmera é inquieta e rapidamente procura emoções, onde olhar, do que se aproximar e como evidenciar questões. Os personagens falam muito e falam rápido, é difícil encontrar algum momento silencioso aqui, já que as cenas são repletas de sons, música ou vozerio. Essa atmosfera fortalece os momentos cômicos, certamente, mas também serve a um propósito mais romântico, afinal, se apaixonar é se enfiar em uma espiral de ansiedade, de expectativas, receios e urgências. Assim que Sophia conhece Sylvain, a tensão erótica torna-se um ponto-chave na relação e seu compromisso de 10 anos com Xavier, como habitual dos melodramas, algo dispensável à trama e ao espectador. É muito mais interessante que esse relacionamento fique para trás e que a protagonista siga seus desejos. Antes de todas as diferenças socioculturais se tornarem mais evidentes, o que se mostra é que essa paixão é basicamente sustentada pelo tesão, pelo encontro de corpos, pelo sexo, pela necessidade imediata de se terem fisicamente. Enquanto isso, Sophia dá aulas na faculdade tentando desvendar o que é o amor, o que é mero desejo, quais são as muitas faces desse sentimento tão único que move o mundo. O que existe entre esse casal então é mais profundo do que a atração? Embora Sylvain fale muito de amor, casamento e outras declarações, tudo entre eles é desesperado, inflamado e passional, e talvez essa seja uma questão ainda maior do que a proposta acerca de todas as suas diferenças.

Não falamos aqui de dois jovens descobrindo a vida ainda, são adultos com mais de 40 anos com seus caminhos muito traçados já e, possivelmente, mais em busca de algo que se encaixe, como aquele conforto todo que vemos nas primeiras cenas, do que uma nova realidade, difícil de se sentir pertencente. Monia Chokri coloca ambos em choque, Sylvain tem seus pensamentos mais preconceituosos e retrógrados, é claro, mas se dá como esse homem bruto quase inocente também, muito levado por seus sentimentos, que não diz as coisas por maldade, e, quando jogado no mundo de Sophia, é quase engolido, se torna um mero acessório, suas ideias viram debates em que ele pouco consegue participar ou se torna um motivo de riso. A bolha em que a professora vive é muito mais cruel, o mundo dos intelectuais e suas limitações arrogantes não aceita com facilidade os diferentes. Já a mulher, quando é inserida nesse outro lado, é bem recebida pelos amigos e familiares, mas se torna um ponto de destaque visual (ao contrário do primeiro caso), sua aparência milimetricamente calculada, cabelo impecável, pele, roupas e postura, tudo muito bem planejado, se torna uma atenção em meio a pessoas mais espontâneas, com menos roupas ou menos elegantes, e sem amarras de se expressarem, para o bem, nas diversões e afetos e para o mal, nos preconceitos e conservadorismos. 

O interessante é que A Natureza do Amor não prega que um mundo é melhor que o outro, pelo contrário, é possível encontrar muitos problemas em ambos, portanto as diferenças entre o casal apaixonado não são complicadas apenas em suas individualidades, mas são os contextos externos que causam os maiores estragos. Na intimidade, Sophia e Sylvain podem simplesmente se compreender por meio dos desejos, quando os corpos falam pouco há o que se discordar, mas o amor exige mais, é quando esse sentimento mais urgente e primitivo tenta passar para esse outro nível, que tudo que sustenta cada pessoa se torna uma questão primordial. Xavier pode até falar a mesma língua que Sophia, mas seus corpos não se encontram como com Sylvain, sempre existe algo faltando e, dessa vez, a resposta da comédia romântica será mais complexa, sem final feliz ou triste, mais perguntas do que conclusões. 

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