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|Crítica| 'A Morte do Demônio: A Ascensão' (2023) - Dir. Lee Cronin

|Crítica| 'A Morte do Demônio: A Ascensão' (2023) - Dir. Lee Cronin

Crítica por Victor Russo.

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'A Morte do Demônio: A Ascensão' / Warner Bros. Pictures

 

Título Original: Evil Dead Rise (EUA)
Ano: 2023
Diretor: Lee Cronin
Elenco :Lily Sullivan, Alyssa Sutherland, Morgan Davies, Nell Fisher e Gabrielle Echols.
Duração: 96 min.
Nota: 3,5/5,0

 

"A Morte do Demônio: A Ascensão" faz um bom trabalho de renovação ao usar tecnologia e espaço restrito, sem nunca perder a essência da franquia, ainda que a previsibilidade tire a força dos momentos mais tensos

"Evil Dead” (sob o título bizarro no Brasil: “Uma Noite Alucinante - A Morte do Demônio") surgiu em 1981 e apresentou Sam Raimi para o mundo, ajudado pelo “apadrinhamento” de Stephen King, que amou o filme. Dominado por um baixo orçamento evidente, mas cheio de soluções criativas e até inovadoras, como o plano que sugere o ponto de vista do demônio passeando em alta velocidade pelo rio e pela floresta, o longa se tornou um dos principais, senão o principal, exemplos de sucesso do cinema trash, como um modelo a ser seguido. Seis anos depois, o próprio Raimi expandiria o seu universo, enquanto dava mais um passo em direção a uma mitologia que ganhava força graças às escolhas formais e desapego total ao realismo, criando ainda um final que pedia o fechamento da trilogia, que tardaria mais cinco anos a chegar.

Foram mais de 20 anos até a franquia ser retomada, em 2013, acompanhando uma espécie de onda de remakes e prequels de filmes/franquias de terror no começo da década de 2010 (que teve também “O Enigma de Outro Mundo”, “A Hora do Espanto”, entre outros). Apesar de se pagar e ainda gerar lucro com os quase U$100 milhões arrecadados (mais de cinco vezes o valor da produção), a recepção mista de público e crítica fez com que o remake não tivesse uma continuação. Mais 10 anos se passaram e chegamos a “A Morte do Demônio: A Ascensão”, que, como o longa de 2013, também tem máximo respeito pela trilogia original, ainda que siga um caminho quase oposto. Vale lembrar, claro, que ambos os filmes não foram dirigidos por Sam Raimi, fazendo do criador do universo um produtor que dá espaço para possíveis novos pupilos de terror (o de 2013 funcionou nesse sentido, já que Fede Alvarez três anos depois teve enorme sucesso com o bom “O Homem Nas Trevas”).

Se o longa de 2013 se declarava como um remake e tentava atualizar personagens e temas (o filme funciona como uma metáfora para o processo de sobriedade e abstinência de um dependente químico), mas prestava uma série de homenagens e fazia uma espécie de estilização dos elementos do cinema trash, como a sequência final em que o céu fica vermelho, enquanto a protagonista arranca o braço e usa a motosserra, “A Morte do Demônio: A Ascensão” não nega o que foi feito, mas tenta renovar a franquia e abrir espaço para novos caminhos, sem tantas amarras. Não que Raimi tenha criado uma fórmula a ser seguida, muito pelo contrário, a liberdade era tanta que o último filme da trilogia é um trash na idade média. Porém, o livro dos mortos na cabana se tornou um estigma da franquia e se tinha a noção de que todo novo Evil Dead seguiria esse caminho.

Porém, desde a sequência inicial, Lee Cronin escancara o caminho que deseja seguir, uma renovação não só temática, de história e personagens, mas principalmente temporal e de ambiente, fazendo da contemporaneidade um aspecto fundamental, sobretudo no uso da tecnologia (algo que o longa de 2013 nem ensaiava, já que a proposta era muito mais de homenagear). Isso fica claro no primeiro plano, inicialmente sugerindo o clássico plano de ponto de vista do demônio para depois descobrirmos que tal visão era de um drone (aparelho tecnológico e bastante utilizado no cinema atualmente, funcionando como uma exposição do próprio fazer cinematográfico). Depois disso, o longa apresenta a possessão na cabana isolada, mais uma sugestão de que esse longa irá na linha tradicional da franquia, mas posteriormente descobrimos que aquilo é apenas um prólogo em flashforward (e retornará na sequência final) com objetivo de deixar uma ponta solta para uma possível sequência. Então, somos levados para a cidade grande em tempos atuais (segundo elemento de contemporaneidade). E, por mais que o prédio caindo aos pedaços flerte com a ideia de mansão mal assombrada, um clássico do gênero de terror, ele é fundamental para tal renovação. A possessão, geralmente ocorrida com galhos e troncos da floresta, é substituída pelos cabos do elevador, por exemplo. 

Entretanto, a principal mudança vai além apenas da tecnologia, ela está no espaço dramático e em como ele é fundamental para uma nova dinâmica de encenação. Isso porque, apesar dos longas originais também se passarem em um local pequeno, a cabana, toda a floresta se dispunha aos personagens para possíveis fugas ou mesmo para tentarem desfazer a maldição. Ao levar o demônio para o último andar de um prédio prestes a ser demolido, sendo quase todo o tempo dentro de um apartamento, Cronin não só ressignifica vários elementos da franquia (como a razão para ter uma motosserra em um prédio em Los Angeles, algo bem inserido no melhor estilo “Arma de Chekhov"), como é obrigado a ser inventivo para sustentar o básico de um Evil Dead (mortes, desmembramentos, possessão, ressurreição e descobertas) com elementos mais mundanos e espaço reduzido (o que se acirra com as escadas quebradas e o elevador “possuído”).

E é justamente a partir dessa lógica que o cineasta encena a sua temática central com a angústia e enclausuramento que ela impõe às personagens, sobretudo à protagonista Beth (Lily Sullivan), grávida e destinada a ser mãe solteira (assim como sua irmã). Nesse sentido, o longa se aproxima do de 2013, mudando a temática central, é claro, mas se mostrando capaz de nunca ficar preso ao “o que quer dizer”. Ou seja, sendo um filme de terror bastante frontal e escatológico acima de tudo. Dessa forma, se tal dinâmica espacial funciona tematicamente, seu principal mérito está justamente no sensorial, algo fundamental ao horror, gênero que nos faz suar, como diria a teórica Linda Williams. 

Cronin recorre então ao direto, como a franquia sempre fez, seja nas mortes gráficas, na rejeição de um aprofundamento psicológico mais incisivo (como ocorre com filmes da A24 e afins), nas decisões muitas vezes sem muito sentido das personagens ou no uso estético de planos tortos, dollys super rápidas (quase sempre sugerindo o ponto de vista do demônio) e, sobretudo, no constante split diopter (quando vemos duas ou mais personagens em diferentes profundidades do plano, ambas em foco, enquanto entre elas fica um efeito desfocado, recurso pouco utilizado na franquia, mas que é uma das marcas de Brian De Palma). É tal dinâmica de tornar tudo evidente em um espaço restrito, enquanto as personagens esperam pelo mal sem saber como fugir dele, que permite ao filme funcionar em duas frentes, o dentro e o fora daquele apartamento, gerando os melhores momentos do longa, como as mortes vistas pelo olho mágico (estilização clara que funciona para impor aquela ameaça) ou a transformação ocorrida dentro, que deixa os demais personagens ainda mais sem escapatória. Não à toa, quando o longa sai desse espaço restrito, é quando ele menos funciona, restringindo-se a algumas referências apenas funcionais a Kubrick e Cronenberg.

Todavia, se Cronin consegue lidar bem o suficiente ressignificando elementos da franquia para um novo contexto, mas sem nunca negar os filmes de Raimi ou se colocar acima deles (muito pelo contrário), e cria uma dinâmica interessante e inventiva nesse espaço restrito jogando com elementos de um terror mais frontal, há também uma previsibilidade muito grande, sobretudo na escolha de enquadramentos de personagens em perigo, enfraquecendo o potencial dos diversos jump scare, o que pode soar contraditório, já que os melhores momentos de terror do longa são aqueles que recusam esse elemento tão natural do horror direto. Ou seja, a maior força está em quando é construída a expectativa do medo, como as já citadas mortes vistas pelo olho mágico e a ressurreição de uma personagem enquanto a vemos perseguir outra personagem que não sabe da presença da ameaça às suas costas.

Ainda assim, "A Morte do Demônio: A Ascensão" não só é um interessante longa para a franquia, como é quase uma das poucas resistências da frontalidade no terror em tempos de “pós-terror” e outros termos elitistas e sem sentido para desvalorizar o gênero e colocá-lo sob a armadura do drama como verdadeira arte. No fim, pode até parecer mais um “Arraste-me Para o Inferno” do que um “Evil Dead”, mas isso de forma alguma deixará Raimi menos orgulhoso.

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