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|Crítica| 'A Mãe' (2022) - Dir. Cristiano Burlan

|Crítica| 'A Mãe' (2022) - Dir. Cristiano Burlan

Crítica por Victor Russo.

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'A Mãe' / Cup Filmes

 

Título Original: A Mãe (Brasil)
Ano: 2022
Diretor: Cristiano Burlan
Elenco : Marcélia Cartaxo, Henrique Zanoni, Helena Ignez e Ana Carolina Marinho.
Duração: 80 min.
Nota:3,5/5,0
 

Entre o documental e o melodrama, Cristiano Burlan faz de Marcélia Cartaxo o rosto e o corpo de muitas mães e suas dores

Burlan dá sequência a sua carreira, que começou no documentário, mais uma vez com a morte sendo figura central de sua obra, fazendo dela objeto de denúncia social ao mesmo tempo que tem na empatia pelos que ficam a força dramática e de conexão para com o espectador.

Em “A Mãe”, ainda que uma ficção, a linguagem documental retorna ao retratar com realismo o dia a dia desses personagens, do filho apaixonado por fazer música, rimar e se expressar à mãe, que sobrevive como pode para permitir ao filho uma vida e um futuro. Mas, principalmente, o documental é peça chave para não romantizar essa história, banalizar a violência ou tratar o tema como mero fetiche estilístico. Tudo é cru, sobretudo a iluminação, mas não ausente de emoção. Isso porque, Burlan choca o realismo do documental com a empatia entre público, protagonista e suas dores, código central do melodrama, que é representado por meio do close-up.

Marcélia dá rosto a essa dor, a dor do desaparecimento, da esperança e da impossibilidade de seguir em frente sem ter as respostas, por mais que, no fundo, saiba que o filho foi vítima da Polícia Militar e nunca mais terá notícias dele. Na verdade, não só rosto, a atriz também é o corpo dessa destruição que vai tomando conta de sua alma. Se antes conseguia correr com as sacolas na mão, agora só lhe resta chorar sob a chuva e sobre a lama, incapaz de seguir em frente, apesar de diversos personagens quererem forçá-la a fazer.

Assim, Burlan deixa claro que a protagonista não é a única naquela situação, mas é a que somos convidados a viver e sofrer juntos. Como diz a líder de uma das ONGs de mães que procuram respostas sobre seus filhos, enquanto a protagonista buscava pelas “Mães de Maio”: "Faz sentido a confusão, é muita mãe procurando filho nesse país". 

A personagem de Marcélia é assumida então como o olhar do diretor para essa representação, para essa mulher que é também tantas outras, vítimas de uma ditadura que nunca acabou. Pelo menos, não na periferia e não enquanto a Polícia Militar existir.

Só que tudo isso só funciona porque Burlan tem uma habilidade impressionante de nos manipular sem que percebamos que estamos sendo levados emocionalmente exatamente para onde ele quer. Claro que o rosto sofrido e convidativo da sempre excelente Marcélia torna a missão quase natural para o espectador. Mas não é só isso.

Grande parte do mérito do longa está justamente em sua construção inicial, aquela que soa mais banal. Uma montagem que intercala mãe e filho não só nos apresenta o dia a dia deles, mas os torna humanos. A mãe que não tem tempo para entender a reforma da previdência, mesmo que essa a afete diretamente, não por falta de interesse, mas porque como ela mesma diz "só trabalho e volto pra casa". Por outro lado, o filho que falta a aula, porém não é julgado pela câmera por isso, pelo contrário, Burlan ressalta como mesmo sem estudo completo o garoto é cheio de sonhos e tem em sua voz e suas rimas uma força potente. Uma habilidade incrível que representa o desejo por ser ouvido e por mudar o mundo. Força essa que será calada por quem deseja manter tudo como está.

E é justamente quando nos apegamos a essas duas vidas que a narrativa apaga o filho dela sem nem nos pedir permissão. Ficamos no escuro, assim como a sua mãe. No fundo, também sabemos o que aconteceu com o garoto, mas preferimos (ou assim somos carregados por Burlan) seguir a mãe e a sua busca quase sem esperança.

Dessa forma, quando o diretor retorna para nos mostrar o ocorrido, ainda que não fosse necessário, mostrado à distância, como uma representação dessa polícia que comete esses crimes escondida, já estamos envoltos demais na dor daquela mãe. Compartilhamos aquele sofrimento com ela e nos deixamos ser manipulados mais uma vez, agora, ficando um passo à frente dela, descobrindo aquilo que ela nunca vai saber, mesmo já sabendo.

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