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|Crítica| 'A Linha' (2023) - Dir. Ursula Meier

|Crítica| 'A Linha' (2023) - Dir. Ursula Meier

Crítica por Raissa Ferreira.

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Título Original: La Ligne (Suíça/França)
Ano: 2023
Diretora: Ursula Meier
Elenco : Valeria Bruni Tedeschi, Stéphanie Blanchoud, Benjamin Biolay e Dali Benssalah.
Duração: 101 min.
Nota: 2,0/5,0
 

Drama familiar de Ursula Meier é simplista em sua temática se valendo de grandes descontroles de suas personagens para manter uma explosão atrás da outra 

A cena de abertura do longa já traz um estranhamento, a briga de uma família filmada em câmera lenta, não sabemos quem está certo e quem está errado, os closes nos rostos com expressões exageradas remetem ao teatro ou às novelas, a sequência que carrega uma seriedade vem com um tom cômico de carona, talvez sem querer, é como se Ursula Meier não conseguisse acertar exatamente a atmosfera que quer passar e isso é apenas uma amostra do que será o filme todo. “A Linha” tem uma trama bastante interessante, que a princípio mantém uma distância da figura da mãe (Valeria Bruni Tedeschi) e se concentra em Margaret (Stéphanie Blanchoud), o que coloca a agressão da filha toda na conta de sua personalidade explosiva, mas se desenrola para algo que poderia ser mais complexo no momento em que descobrimos o quão manipuladora e negligente Christina é com as filhas. O problema é que todo esse potencial não é explorado devidamente para garantir um resultado à altura. Com personagens centrais femininas, é triste que Meier não dê nenhuma profundidade a elas, se apoiando sempre em seus descontroles emocionais para criar uma cena explosiva atrás da outra. Existe uma complexidade, por exemplo, em como Margaret é o pavio mais curto da história, não pode ouvir um “a” que já começa a agredir alguém, mas ao mesmo tempo, quando pega uma guitarra e começa a cantar, se torna uma pessoa doce e leve, com a voz suave. Nada disso é realmente trabalhado, fica flutuando entre as cenas sem trazer alguma relação mais profunda com a protagonista. Dessa forma, tudo que poderia fazer o filme mais interessante e ajudar o espectador a se relacionar com ele, se perde e fica fora de tom, como um riso nervoso.

Talvez o ponto que funcione melhor é com a pequena Marion (Elli Spagnolo), a mais afetada no momento em que observamos essa família pelas intempéries da mãe. Quase uma fanática religiosa, ela se apoia em Deus para passar as dificuldades, é totalmente negligenciada pela mãe e é justamente essa relação entre as duas que nos faz torcer para que Margaret surte mais uma vez com Christina. Meier dosa erroneamente mais uma vez quando sugere alguma relação inapropriada entre a menina de 12 anos e o novo padrasto, algo que é jogado em umas duas cenas e fica por isso mesmo, na sugestão esquisita. Se Marion ainda tem alguma chance de ter nuances e sentimentos mais complexos, Margaret só é realmente uma maluca descontrolada, todo mundo parece odiar ela e ela parece odiar o mundo, se irritando e indo pra cima das pessoas sempre que algo a contraria. Porém, além de sua faceta musical que citei antes, existe algo nessa relação meio abusiva com a mãe que também se perde no simplismo do filme, já que a mulher ainda se preocupa com a saúde de Christina, mas só consegue ser retratada explodindo a cada tentativa de contato. É cansativo porque toda cena parece ter um ponto alto de conflito e o espectador já sabe que uma briga vem aí, um surto, mesmo nos momentos mais descabidos. E todo esse descontrole, além de forçar atuações caricatas, não é levado a lugar nenhum, só fica nesse lugar de mulheres emocionalmente desequilibradas sem contorno. 

A linha que Marion pinta no chão para marcar a ordem de restrição de 100 metros está sempre presente, mas não existe mais nada que Meier faça visualmente para agregar nesse limite que separa a família. Quase sempre os enquadramentos são esquisitos, a mise-en-scène não fortalece nenhuma ideia ou sentimento que não um caos tanto estético quanto de conteúdo. Existem até momentos em que os atores parecem ter filmado separadamente com apoio de CGI para unir a encenação na mesma sala e a incapacidade para lidar com a técnica deixa tudo mais engraçado do que dramático. Novamente, as cenas que pedem atenção para um conflito, um momento de tensão em que a mãe é mais uma vez retratada em seus excessos, a sugestão problemática entre o padrasto e Marion aparece e mais uma briga surge entre a família, se torna uma cena de novela mal trabalhada que só faz surgir o riso. A diretora não acerta o tom em nenhum elemento aqui, o que ocorre em quase todas as cenas.

Dessa forma, momentos que teriam peso dramático também são esvaziados, a venda do piano, o breve desaparecimento da filha agressiva e quando Margaret finalmente aparece e o encontro entre mãe e filha se dá fora da restrição, não tem força para sustentar as cenas. Meier sugere quase um “Persona” dividindo as mulheres pela forma como filma seus corpos se cruzando, é talvez o único momento em que a diretora parece pensar em fazer algo com sua câmera para agregar ao conteúdo da obra, mas não chega a lugar nenhum, não constrói nada para que a cena surta algum efeito. Fica uma banalização dos descontroles emocionais femininos, e das consequências de crescer em um lar instável, em relações simplistas, reduzidas a uma agressividade que nunca é trabalhada na complexidade que poderia ter.

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