|Crítica| 'A Felicidade das Coisas' (2021) - Dir. Thais Fujinaga
Crítica por Victor Russo.
'A Felicidade das Coisas' / Embaúba Filmes |
“A Felicidade das Coisas” entende as relações entre classes na nossa sociedade, mas tem medo de se entregar às emoções mais intensas
A partir de um ponto de vista feminino, tanto da diretora Thais Fujinaga, quanto em sua protagonista Paula (Magali Biff), “A Felicidade das Coisas” vai fazer um retrato da classe média brasileira e suas complexidades, tanto em costumes, quanto em sua relação com os mais pobres e mais ricos.
Assim, o filme vai dar grande destaque para a construção de uma piscina na casa de praia dessa família durante umas férias de verão. Mais do que uma piscina, aquilo é a representação de uma ascensão social, o sonho daquela família depositado em um buraco com água que faz aquela mulher se aproximar, ainda que só com um gostinho, do que os mais ricos dispõem e do que os pobres são incapazes de comprar.
É o retrato de uma classe média que sonha em ser rica e apoia todo um sistema capitalista, sem perceber que nunca será aceita pelas classes mais altas. Isso fica claro tanto na rejeição que essa mulher sofre ao não poder dispor da piscina do clube (de ricos) da cidade litorânea, ao mesmo tempo que esbanja uma superioridade tanto aos trabalhadores que estão construindo sua piscina, quanto principalmente ao pescador e os filhos dele. Há aqui quase uma repulsa, um tratamento como se aquelas pessoas fossem indignas de habitar o mesmo espaço que ela, algo semelhante ao que ela sofre, mesmo sem perceber, no clube.
Mas o filme vai além nessas discussões e aborda essas relações sob várias óticas, sobretudo no que escolhe mostrar ou esconder. Os ricos, por exemplo, são quase invisíveis, dando essa sensação de inalcançável, uma barreira construída que ela nunca será capaz de ultrapassar. O mesmo vale para o seu marido, que cria um afastamento com a esposa e os filhos, quase como um fantasma que provém dinheiro, mas não está ali para amar.
Por outro lado, os filhos e a avó vêm para transformar ainda mais as relações. O filho mais velho, acreditando ser maduro o suficiente e querendo experimentar a liberdade, na verdade, demonstra uma certa pureza ao se relacionar com os jovens de sua idade, sem os preconceitos dos adultos. Ao mesmo tempo, essa sua ânsia jovem vem por despertar uma fúria a fim de machucar os sentimentos da própria mãe. Já a avó, se por um lado é a mais apegada aos “bons costumes” de um patriarcado, por outro, demonstra uma certa hipocrisia ao proteger o neto a qualquer custo.
Uma relação complexa também vai aparecer nas relações espaciais de posse, que são mudadas pelo mercado imobiliário e criam fronteiras invisíveis e muitas vezes difíceis de definir. É o caso do conflito entre pescador e a dona da casa. Se o rio é de todo mundo e a casa dela fecha o acesso ao rio, como ele vai chegar ao rio (seu direito) sem entrar na casa dela? Ao mesmo tempo, se a casa é uma propriedade privada dela, ela não tem o direito de permitir a entrada apenas a quem ela desejar? É o tipo de coisas que vemos aos montes no litoral brasileiro, sobretudo com condomínios que fecham acesso às praias, gerando um conflito de direitos que quase sempre termina por privilegiar quem tem mais dinheiro.
Além disso, vale um destaque para como Thais vai criar personagens bastante humanos, principalmente ao criar situações banais que qualquer pessoa enfrenta. Vamos aqui então os personagens tirando a roupa do varal quando começa a chover, dando banho na filha, comprando cigarro etc.
O problema é que se a diretora tenta nos aproximar dessas personagens por meio dessa humanização nas situações, ela parece ter medo de fazer o seu filme se jogar completamente às emoções de seus personagens. Tudo soa meio contido, em busca de um certo realismo, que acaba enfraquecendo o filme dramaticamente. É uma obra que coloca pessoas em conflito o tempo inteiro, mas essas pessoas parecem sempre frias demais para demonstrar emoções. É quase como se o longa acreditasse que uma intensidade maior, seja na demonstração de carinho ou nas frustrações e irritações, não o permitisse desenvolver esse realismo social que pretende, fazendo da obra mais sobre o conteúdo e seus simbolismos do que necessariamente sobre a encenação e suas emoções.
Assim, “A Felicidade das Coisas” entende muito da sociedade brasileira e suas relações complexas, mas ao ter medo de se entregar completamente, o longa acaba se mantendo em apenas um tom, incapaz até de construir um clímax poderoso dramaticamente o suficiente.