|Crítica| 'A Baleia' (2023) - Dir. Darren Aronofsky
Crítica por Victor Russo.
'A Baleia' / Califórnia Filmes
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Darren Aronofsky pesa a mão na manipulação a fim de emocionar o público, mas sua força aparece mesmo quando se entrega ao olhar otimista de seu protagonista para com as pessoas
Poucos cineastas dividem tanto a opinião do público e da crítica quanto Aronofsky. Com uma carreira dominada por filmes pessimistas, cheios de simbolismos e com a religião como um dos temas dominantes, o cineasta é daqueles vistos por muitos como autoindulgente, megalomaníaco e manipulativo, enquanto outros o enxergam como um gênio capaz de provocar emoções extremas. Tal dicotomia está muito presente nos seus longas mais famosos: “Cisne Negro” e “Mãe!”. Ambos têm pretensões temáticas grandiloquentes, são realizados sob uma ótica estilística chamativa, mas o fazem com uma fúria psicológica e gráfica, incapacitando qualquer espectador de se manter indiferente ou alheio ao que assistiu.
"A Baleia” não é diferente, é um filme com a assinatura do cineasta em quase todos os sentidos, para o bem ou para o mal. Os simbolismos estão presentes, como a baleia, o mar, a janela um pouco aberta e a comida deixada para o passarinho, a religião é explícita como poucas vezes foi em sua filmografia, tendo um personagem destinado a cumprir o papel de missionário e ser “chutado” diversas vezes para fora da casa, assim como, mais uma vez se trata de um estudo de personagem sombrio e que soa pessimista, pelo menos inicialmente.
Charlie, interpretado com excelência por um Brendan Fraser transformado pela maquiagem, mas sem nunca perder a sua personalidade de dizer com o olhar ou com a sua voz marcante, vive sozinho, em uma casa escura, com dificuldade de se locomover por conta da obesidade, fechado para o mundo como sua câmera nas aulas em vídeo que dá para os alunos e com o sentimento de impotência pelo namorado que perdeu e pela impossibilidade de se comunicar com a sua filha, que não vê há anos. De início, Aronofsky já nos obriga a ver o personagem quase morrendo, além de retratar a dificuldade do protagonista de fazer as suas vontades mais básicas, seja sexual ou uma simples ida ao banheiro. Parece que veremos mais uma vez a típica tortura a um protagonista sofrendo no final da sua vida, mas “A Baleia” toma um rumo diferente.
Apesar de ser afetado pelo mundo, que o vê, na maioria das vezes, ou como uma monstruosidade (os alunos quando ele abre a câmera, sua filha, o entregador) ou como alguém que precisa ser salvo (pelo missionário), talvez a exceção seja Liz, com uma Hong Chau conscientemente incapaz de esconder seus traumas, mas demonstrando uma ternura para com o protagonista, Charlie nutre esperança pela humanidade. Mais do que isso, seu olhar otimista contagia quando percebemos que ele realmente prefere enxergar a bondade das pessoas, mesmo com todas as perdas e dificuldades que vive.
Assim, escondido em seu quarto escuro, é filmado sem julgamentos pela câmera de Aronofsky, que evita ao máximo retratar o seu personagem como o monstro que o enxergam. É quase como se o cineasta, assim como Charlie, não ligasse para como o mundo o vê (ainda que até certo ponto, já que o personagem se mantém escondido o tempo todo). Isso fica claro na forma como ele reage, e a decupagem o faz junto, quando abre sua câmera para os alunos. Imediatamente, o diretor vai rejeitando a reação destes e fechando no protagonista, que também ignora as outras telas e foca em apenas passar o conhecimento que tem guardado. Talvez seja a cena que melhor expresse o otimismo do personagem de Fraser para com o ser humano, com a sutileza que falta em boa parte do filme.
Isso porque, se muitas vezes durante a sua carreira Aronofsky não teve qualquer intenção de ser totalmente compreendido, fazendo dos simbolismos um de seus elementos narrativos mais presentes (ainda que muitas vezes bastante óbvios), em “A Baleia”, o cineasta pesa a mão nos elementos manipulativos mais evidentes e nas explicações. Pouco é deixado para o espectador interpretar ou duvidar a respeito daqueles personagens. O passado de todos é revelado nos mínimos detalhes, assim como o que eles pensam, enquanto os muitos zoom e a trilha sonora são fatores evidentes na hora do diretor obrigar o público a sentir o que ele deseja que seja sentido, em uma derivação bem menos eficiente daquilo que havia feito no caótico "Réquiem Para Um Sonho”.
Não que o melodrama escancarado, muitas vezes piegas, seja um problema por si só. O melodrama como gênero tem essa necessidade por identificação com o espectador por meio de sentimentos extremos dos personagens e é justamente por isso um dos gêneros mais belos do cinema. Porém, nesse sentido, Aronofsky nunca parece se entregar ao brega genuinamente. Sempre há uma pretensão por uma profundidade temática que tira a força desses sentimentos, dando a impressão de que eles são fabricados para um fim maior. O que é uma pena, já que toda a força para nos emocionar está no protagonista e na sua relação com os que adentram sua casa. Porém, tudo que soa verdadeiro e capaz de nos tocar em algumas interações com Chau ou Samantha Morton, não se replica na principal relação do filme, entre Fraser e Sadie Sink. Ela o chamando de “papai” enquanto o paraíso o aguarda é o ápice dessa pretensão temática que enfraquece o melodrama mais puro.