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|Crítica| 'Hot Milk' (2025) - Dir. Rebecca Lenkiewicz

|Crítica| 'Hot Milk' (2025) - Dir. Rebecca Lenkiewicz

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Hot Milk' / MUBI e O2 Play

 

Título Original: Hot Milk (UK)
Ano: 2025
Diretora: Rebecca Lenkiewicz
Elenco: Emma Mackey, Fiona Shaw, Vicky Krieps, Vincent Perez, Yann Gael, Patsy Ferran e Yorgos Tsiantoulas.
Duração: 93 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Rebecca Lenkiewicz faz estreia na direção de longas priorizando a construção da atmosfera e com fixação no simbolismo

Na direção de seu primeiro longa, Rebecca Lenkiewicz, conhecida roteirista que constantemente aborda o universo feminino, entrelaçando a sexualidade e a forma como as mulheres são atravessadas pela sociedade, não foge de sua observação habitual, mas abraça uma abordagem menos realista e mais simbólica. A atmosfera ao redor das personagens de Hot Milk é mais importante e melhor trabalhada do que suas jornadas, traçadas de forma menos concreta e mais ilusória. É o sonho, o desejo e a metáfora das limitações e vontades das mulheres retratadas, que conduzem uma narrativa tão solta que acaba por se tornar confusa e girar ao redor de si mesma.

No universo das férias de verão, Hot Milk mantém Sofia (Emma Mackey) e Rose (Fiona Shaw) na atmosfera quente das praias da Espanha, em Almería, como que abrindo um buraco no tempo e espaço de suas vidas, em que são tão estressadas por seus conflitos e problemas, quanto desafiadas por essa possibilidade tão aberta que a vivência temporária em calorosas terras estrangeiras apresenta. Aqui, natureza e maternidade se opõem, visto que tudo é trabalhado por símbolos. Enquanto Sofia está constantemente presa pela limitação física da mãe, sempre em uma cadeira de rodas, o mar, a areia e as paisagens abertas lhe entregam um horizonte nunca antes visto. 

As problemáticas da maternidade predatória desta mulher, que carrega doenças mais emocionais do que físicas, resultam em uma jovem que pode andar, ao contrário da mãe, mas não consegue se movimentar na vida. A estagnação interna de ambas se manifesta no externo. Uma graduação nunca concluída é sempre trazida em conversas, Rose costuma apontar a dificuldade de Sofia de terminar coisas e a sexualidade da garota parece pouco explorada. Lentamente e oniricamente lidando com os desejos dessa personagem, que é colocada pela primeira vez na posição de se aventurar em si mesma, Lenkiewicz vai em direção a uma poesia visual que carece de desenvolvimento narrativo à altura.

O filme de verão que abre um capítulo à parte na vida dos personagens é um grande conhecido do cinema, mas, Hot Milk, acaba conversando, entre muitas opções, com outra obra de outra estreante na direção, lembrando A Filha Perdida de Maggie Gyllenhaal. O fascínio pela maternidade e a relação entre mães e filhas como algo intoxicante, banhado pela atmosfera quente e solar, com ritmo que permite adentrar o psicológico bagunçado das mulheres retratadas, é possivelmente partilhado entre diversos filmes, mas a proximidade destes dois chama alguma atenção.

Ainda que todos os simbolismos sejam apresentados de forma mística, Hot Milk é bastante claro com suas intenções, mas a mais escancarada de todas é a presença de Ingrid (Vicky Krieps). A mulher que chega até Sofia em um cavalo branco, a princesa encantada que existe na finíssima linha de realidade e sonho, e lhe permite cruzar o limite das correntes invisíveis que a prendem na cadeira de rodas da mãe, para mergulhar em seus medos, desejos e angústias. O espírito livre do interesse romântico é um único corpo que representa tudo isso, entre a projeção e a rota de fuga.

Ocorre que, embora as ideias possam ser bastante interessantes, Lenkiewicz tem dificuldade de as conduzir com consistência. O descompromisso de Hot Milk com o realismo, junto de seu fascínio pela complexidade humana e feminina, rodopia em um delírio moroso que prega pelo sensorial sem que isso seja o suficiente para dar consistência à história. Os corpos constantemente largados no sol, ou presos e limitados, ditam exatamente aquilo que toda a duração do longa transmite cena a cena, a narrativa pouco anda em direção ao que vislumbra. Mas, assim como há pequenos ímpetos em Sofia, como se o que há dentro de si acordasse momentaneamente implorando para viver, existe uma única movimentação pulsante em Hot Milk, já muito próximo de seu desfecho. Lenkiewicz faz do verão na Espanha quase um limbo para suas personagens, as obrigando a ciclicamente dissecar seus traumas, dores e frustrações, individuais e umas com as outras, em busca de suas poéticas cenas obcecadas pelo simbolismo. Não há saída, mesmo quando finalmente ocorre um despertar. A raiva vem como resposta à inércia, ao ponto em que o próprio ato de assistir a essa jornada já se tornou pouquíssimo interessante.


 

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