|Crítica| 'Jovens Amantes' (2025) - Dir. Valeria Bruni Tedeschi
Crítica por Victor Russo.
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'Jovens Amantes' / Pandora Filmes
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Percepção um tanto autobiográfica de Valeria Bruni Tedeschi não consegue se desenvolver para além dos maiores clichês sobre atores e o meio artístico
Se o mais comum é vermos filmes promissores pecando a partir do desenvolvimento narrativo, Jovens Amantes já inicia com uma premissa tão replicada no cinema independente, tanto francês quanto novaiorquino, que fica impossível não ver ecos volumosos de Girlfriends, dos filmes protagonizados por Greta Gerwig no início de carreira (quase sempre escritos por Noah Baumbach), da nouvelle vague de forma geral, além de uma infinidade de obras sobre atores ou artistas jovens e idealistas sonhando em fazer sua arte com paixão e, quem sabe, virarem famosos. Claro que nenhuma premissa deve ser punida, os pontapés iniciais mais básicos podem gerar finalmentes sublimes. Não é o caso da obra de Valeria Bruni Tedeschi.
O tom claramente autobiográfico e o retorno aos anos 1980 na França e nos Estados Unidos, quando as ideias de amor livre, liberdade sexual e desconstrução do preconceito às drogas, além da crescente da Aids, estavam mais do que consolidados nessas sociedades (os Estados Unidos vivendo um retorno conservador, inclusive), pouco consegue dar uma cara realmente mais pessoal e apaixonada para o longa. É comum cineastas, por ego ou por uma ânsia incontrolável de contar aquela história, mirarem no que lhes é comum, em suas vivências, uma volta ao passado em um momento específico que merece, pela percepção desse autor, ganhar às telas. Só que é bastante recorrente, do cinema independente de diretores menos conhecidos aos grandes pilares da indústria cinematográfica, essas histórias serem bem mais desinteressantes para as outras pessoas, e, mais do que isso, carecerem de uma real narrativa minimamente engajante.
É nesse lugar que Jovens Amantes se encontra ao reunir um bando de jovens que sonham em ser atores e atrizes entrando para uma companhia requisitada de teatro. Não que isso não pudesse gerar um filme, pelo contrário, essa autorreferência é a base para algumas das obras mais marcantes da história do cinema, essa fragmentação de uma produção e os diversos egos e interesses envolvidos, de Noite de Estreia a A Noite Americana, chegando à recente e brilhante série do Apple TV+ O Estúdio, o que não faltam são grandes filmes e séries sobre o caos de um set de filmagem ou de uma peça de teatro em desenvolvimento. Isso evidencia que o longa de Tedeschi carece mesmo de um desenvolvimento mais robusto, e não necessariamente de uma premissa batida, tanto em ações, quanto, principalmente, em personagens.
Essa fragmentação de uma obra supostamente mais livre, que até tem uma protagonista em Stella (Nadia Tereszkiewicz), mas se movimenta mais fluidamente entre todos esses personagens habitando aqueles círculos específicos, depende exclusivamente de um interesse à respeito daquelas personalidades, se os personagens não forem cativantes ou bem escritos o suficiente, o filme está em risco. É justamente o que ocorre, sobretudo na segunda metade, quando as situações já estão postas e somos convidados a ver o desenrolar dessas relações para além das cascas mais externas daquelas pessoas. É nesse momento que vamos sentindo gradualmente o golpe final, a aceitação de uma obra que pouco almeja para além de recontar um pensamento senso comum que qualquer adolescente ou adulto conservador tem sobre o meio.
Muitos poderiam contra-argumentar defendendo a obra sobre o viés de tudo aquilo ser autobiográfico. A ideia de que se existiu não tem problema. É justamente o contrário, se a realidade foi tão desinteressante, por que replicá-la? Esse seria o primeiro ponto, um tanto mais raso, é verdade. A realidade em si é muito mais indigesta, como pode um filme que clama pela autobiografia e por uma empatia com aquelas personalidades (supostamente) complexas ser um mar de clichês? Ao final, os atores, quando atuando, apesar da citação a Lee Strasberg (nome que ajudou a difundir “o método” de Constantin Stanislavski, forma de atuar que busca memórias reais em prol de uma atuação/dramatização menos “forçada” e mais natural), se resumem aos exageros, aos gritos e à hiperdramatização. Seria essa a visão de Tedeschi para a profissão, justo ela que além de diretora é também atriz? Ou é apenas a replicação de um imaginário bem pobre do que é atuar? Provavelmente a segunda opção. Mas vai além e piora quando somos obrigados a ver esses atores e atrizes para além do palco. Tudo é resumido a promiscuidade e vício em drogas, aquele clichê do artista como um ser libertino, em que a única coisa que importa na vida é cheirar, fumar e fuder indiscriminadamente. Não que isso seja um problema em si, seria conservadorismo da minha parte apontar o dedo para isso. A questão é: Tedeschi, em duas horas, não conseguiu pensar em nada para além desses clichês?