|Crítica| 'Dreams' (2025) - Dir. Dag Johan Haugerud
Crítica por Victor Russo.
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'Dreams' / Imovision
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Dag Johan Haugerud fecha a sua trilogia com o filme mais bem resolvido e capaz de dar substância ao falatório por meio de escolhas narrativas cinematográficas
Se Sex era uma espécie de “quero ser Bergman”, partindo de premissa e questionamentos promissores, mas se resumindo a rodar em círculos dizendo obviedades e pouco desenvolvendo suas propostas, e Love já subia um degrau ao saber lidar com mais simplicidade com uma ironia já presente no nome, já que esse sim não só falava como encenava o sexo até em seus casos mais banais, Dreams vem para fechar essa trilogia irregular de Dag Johan Haugerud com uma evolução narrativa em relação aos seus antecessores.
Tudo parte de uma narração em off, enquanto as imagens, desde os primeiros planos das nuvens, soam apenas como uma ilustração daquilo que está sendo dito. Se entendemos rapidamente quem é a narradora (Johanne, vivida pela ótima e jovem Ella Øverbye, em apenas o seu segundo longa-metragem), tardamos muito mais a compreender para quem ela narra aqueles acontecimentos e sentimentos. Seriam suas cartas sendo lidas com a sua voz? Ou uma comunicação entre a personagem e o público (o que não parece ser o caso também)? Quando finalmente a figura do psicólogo aparece fisicamente, já nem nos importamos com o uso do voice over e menos ainda com o receptor. Isso porque não só Haugerud é capaz de nos envolver nessa doçura íntima e insegura da voz narradora auxiliado a como filma aquelas personagens, como, também, não se mantém restrito apenas a esse ponto de vista da narração, trazendo a mãe (Ane Dahl Torp) e a avó (Anne Marit Jacobsen) da garota para dentro, e permitindo a elas assumirem o controle da narrativa por um breve tempo, rompendo com o voice over e dando uma nova perspectiva externa para aqueles acontecimentos, ainda que as personagens sejam incapazes de saberem o que é verdade e o que é mentira.
É engraçado que o longa cria uma metalinguagem com a literatura, relacionando Johanne a uma história que ela lê e depois transformando seus longos escritos em livro. A brincadeira é um tanto óbvia, é esse reconhecimento de que Dreams e sua narração (pelo menos na figura de uma narradora) parecem se assemelhar mais aos livros do que aos filmes. Na prática, não é bem isso que acontece, visto que Haugerud consegue finalmente, pela primeira vez na trilogia, utilizar-se muito mais do imagético para compor seus sentimentos do que da verborragia muito presente nos longas anteriores, sobretudo em Sex. Ainda que o filme fale muito, ele o faz mostrando, não apenas ilustrando com imagens, mas construindo realmente sentimentos por esse poder único da imagem em movimento, a fotografia e a montagem cinematográficas como a base de uma narrativa.
Não basta, então, a voz doce e melancólica de Johanne, nesse voice over que nada tem de preguiçoso (como muitos críticos costumam apontar para o recurso sempre, como se fosse uma regra de algo que jamais deveria ser usado). O filme nos faz ouvir e imaginar a partir dela se abrindo (para o psicólogo e para nós por consequência), mas também mostra esses fragmentos de uma relação que vamos conhecendo mais e sendo obrigados a interpretar no processo (e até julgar, ainda que nunca tenhamos todas as peças com total confiança para nós apresentadas). Johanna (Selome Emnetu) se transforma nessa figura feminina a ser observada e desejada (algo típico e dominante na arte cinematográfica), mas não com o fetiche de um personagem masculino dominador, e sim com o desejo de uma garota que reconhece na professora não apenas uma figura de poder e intelectualidade, mas também alguém diferente das demais, até visualmente.
Haugerud filma as duas juntas quase como um jogo, com uma iluminação calorosa e planos detalhes que nos deixam em dúvida do quanto é projeção da garota apaixonada e quanto é alimentado por um sentimento mútuo da professora. A grande virada do longa não é realmente saber para quem Johanne está narrando aquela história, isso pouco importa, mas perceber que Johanna é a típica mulher hitchcockiana, a que percebe o olhar direcionado a ela e usa disso ao seu favor, manipulando consciente e inconscientemente ao mesmo tempo, levando a garota a procurar uma igual (ainda que também mais velha) ao final do processo.