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|Crítica| 'Memórias de um Caracol' (2025) - Dir. Adam Elliot

|Crítica| 'Memórias de um Caracol' (2025) - Dir. Adam Elliot

Crítica por Victor Russo.

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'Memórias de um Caracol' / Mares Filmes

 

Título Original: Memoir of a Snail (Austrália)
Ano: 2025
Diretor: Adam Elliot
Elenco de Vozes: Sarah Snook, Kodi Smit-McPhee, Jacki Weaver, Magda Szubanski e Dominique Pìnon.
Duração: 94 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Adam Elliot faz da narração fúnebre a ingenuidade da condução que torna o amor possível em meio à tragédia

Reconhecido por suas animações adultas e pessimistas em stop-motion, Adam Elliot recebeu mais uma indicação ao Oscar e em outras diversas premiações com Memórias de um Caracol, ganhando um merecido reconhecimento para um longa que poderia ser facilmente ignorado por não fazer parte do eixo de grandes estúdios de animações infantis, ao mesmo tempo em que traz consigo um efeito meio contraditório nessa visão mais adulta da animação, já que conserva uma certa ingenuidade adolescente, até no uso de palavrões e todo o cunho sexual presente, parte importante da escolha do narrar a partir de uma protagonista que tem sua vida como um eterno epílogo indesejado de aceitação para uma infância interrompida. Grace (Sarah Snook) vai envelhecendo com pesar, tomando um golpe atrás do outro da vida, mas nunca parece realmente amadurecer, e, sim, apenas interagir e buscar algum tipo de conforto próximo às pessoas que vão passando por sua vida. Só que, no final, ela continua sendo aquela garotinha otimista com sonho de ser artista, desde que o faça ao lado de seu irmão, uma extensão do seu corpo que lhe foi tirada ainda muito jovem. Isso fica perceptível inclusive em como o longa parece sentir uma vontade de encerrar a partir do momento que Grace recebe a notícia da morte de Gilbert (Kodi Smit-McPhee), representando a impossibilidade de dar continuidade à vida que tinham jovens e os sonhos que fizeram juntos. Sua eterna espera pelo reencontro para poder seguir em frente desaparece naquele momento.

É justamente a escolha por uma narrativa que acompanha essa personagem contando a história para a caracol que a acompanhou durante toda a vida (que traz esse simbolismo tanto da proteção ao se esconder do mundo, como também o andar lento, mas sempre em frente) que cria essa ambiguidade entre a tragédia e a ingenuidade, o mundo real e aquilo que vivemos quando éramos muito jovens. Grace parece ver uma beleza em toda a sua vida, romantizar a sua infância que já era cheia de horrores, e, até se dar conta do abuso que sofria de seu marido, ela segue narrando as coisas mais dolorosas não deixando de senti-las, mas também não as percebendo em sua completude emocional e a forma como ela vai sendo devastada por cada novo golpe dessa vida miserável. Por isso o apego a cada novo ator que passa por sua vida e a compreende como um ser amado e amável, ganham esse alívio da dor. É o amor mais ingênuo frente ao horror do viver, algo que só pode ser compreendido a partir dessa dicotomia da narração de Grace. Não à toa, quando Gilbert assume o controle por meio das cartas, o longa muda de tom, há um entendimento muito maior do garoto sobre o que acontece com ele, ainda que apresente o mesmo sentimento da irmã, tanto na perda desse ser que o completa, quanto na ausência que a infância lhe custa.

Depois de tanto sofrer com esses personagens (ainda que sintamos mais a dor do que a própria Grace), a escolha por um respiro mais otimista ao final de Adam Elliot casa bem com todo o restante. A vitória da bondade e do amor custa caro, vem repleta de marcas que para sempre estarão presentes nos personagens, mas eles preferem unir suas cicatrizes a fim de formar uma realidade muito mais amável, estão dispostos a viver juntos, sendo essa a única forma de encarar o mundo, seja quebrando dedos ou colocando fogo em igreja de seitas, seja cuidando e fazendo companhia para uma idosa solitária ou tomando o maior cuidado do mundo com os animais. A beleza da ingenuidade adolescente nunca cessa, e depois de tantas porradas, é permitido aos personagens finalmente retornar à infância para poder continuar vivendo suas vidas, agora sem interrupções.
 

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