|Crítica| 'O Esquema Fenício' (2025) - Dir. Wes Anderson
Crítica por Victor Russo.
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Wes Anderson abandona o radicalismo de seus últimos filmes e retorna para uma narrativa confortável, mas não desprovida de personalidade
É muito comum a acusação de que todos os filmes de Wes Anderson são iguais e que se você assistiu a um, já viu todos. Não menos recorrente são as críticas ao seu estilo, bastante marcado nas cores, nos zooms, nos travellings, enquadramentos geométricos, combinação de live action e stop-motion, e todos os outros elementos que estamos cansados de saber, visto por essas pessoas como aquele velho clichê do “estilo, sem substância”. Na prática, quando realmente vemos os seus filmes, tudo isso se prova falso ou, pelo menos, superficial. O Esquema Fenício vem justamente para escancarar uma ruptura para com seus longas anteriores (Asteroid City e A Crônica Francesa).
Seus dois últimos longas, que passaram pelo mesmo processo de serem exibidos em Cannes com recepção morna, para depois chegarem ao circuito comercial e serem abraçados por uma parte da crítica que valoriza bastante o cineasta, representavam uma radicalização da narrativa do diretor. Se ele sempre exibiu seus vastos elencos de rostos conhecidos, esses dois filmes tratavam de finalmente fragmentar completamente o andar da história a ponto dessa história em si nem importar tanto, ao mesmo tempo que não apresentavam um protagonista, mas personagens em igualdade. Mais do que criar esses diversos núcleos espalhados, foi a partir dessa dinâmica que Wes passou a brincar mais diretamente com o seu próprio cinema, experimentando rupturas pouco usuais em suas obras anteriores. A Crônica Francesa abraça o formato de tableau, mais do que uma homenagem ao jornalismo, o diretor fazia disso a estrutura do longa, até que, em um momento chave de uma das histórias, abria mão do live action para criar uma longa perseguição em animação, evidenciando a quebra e a experimentação e obrigando o espectador a aceitar esse novo estilo repentino.
Em Asteroid City ele dobra a aposta, revestindo o longa da sua narrativa a partir de um espaço em que os personagens convergem para, aos poucos, revelar mais do que apenas as histórias divertidas de seres extraterrestres chegando à Terra. Inclusive, a sequência em que o E.T. aparece em grande medida se assemelha a sua obra anterior, fazendo aquele ser em stop-motion ganhar vida e contrastar com o restante. Mas o diretor vai além, sua radicalização parte justamente de uma narrativa que não se compreende mais apenas dentro daquele mundo ficcional da cidade do asteroide, rompendo com o espaço fílmico, conversando com obras anteriores do autor e destruindo qualquer ficção que tínhamos para com todo aquele mundo do filme. O que é ficção, o que é realidade, o que é autorreferência? No fim, é tudo ao mesmo tempo.
O Esquema Fenício até flerta com isso nos momentos em que o protagonista (Benicio Del Toro) se vê diante da morte, habitando em uma espécie de céu a fim de seu julgamento final, antes de sempre retornar à vida. Porém, na prática, tudo habita dentro de um lugar mais confortável de sua filmografia, uma espécie de retorno àquele filme-jornada, que tem idas e vindas, rupturas de espaço e tempo, flashbacks e cenas imaginadas, só que tudo a partir de uma perspectiva de dois ou três personagens avançando juntos em prol de um objetivo, como já havia feito em O Grande Hotel Budapeste, Moonrise Kingdom e tantos outros. Por mais que parta desse lugar de contação de história do passado, não tem também o caráter literário de seus últimos curtas da Netflix, baseados em contos de.Roald Dah.l Parece uma espécie de filme para preencher sua carreira, sem a inspiração ou radicalização das obras passadas, mas com toda a personalidade e diversão que lhe é comum. Na falta de ideias novas, vai de arroz com feijão bem feito, o que no caso do diretor, é bastante acima da média.
Assim, toda a graça um tanto macabra, da morte circundando os personagens o tempo todo, segue a partir dessa metralhadora de piadas e sacadas, muito por conta da caricatura construída para cada um dos personagens, enquanto a narrativa avança de forma mais tradicional, com cada encontro, cada tentativa de convencimento. A graça nesse thriller de espionagem e sátira ao mercado financeiro global traz, no fundo, uma conexão entre esses seres desajustados, em uma bonita relação de pai e filha (apesar das muitas piadas pelo fato de não terem esse laço sanguíneo), o que também não é novidade na filmografia do cineasta. O retorno ao tradicional é prazeroso, mas deixa aquela expectativa para o que virá a seguir e quais novas ideias o diretor trará para seguir mirando o seu cinema para frente.