|Crítica| 'A Mulher no Jardim' (2025) - Dir. Jaume Collet-Serra
Crítica por Victor Russo.
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'A Mulher no Jardim' / Universal Pictures
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Em meio ao desinteresse da produtora e de mais um filme sobre trauma, Jaume Collet-Serra ainda consegue materializar os temas em forma de terror
Não é novidade que Hollywood, como uma indústria que é, tende à repetição daquilo que deu (ou supostamente deu) certo. Dizer isso pode fazer muita gente rapidamente associar à Marvel e sua conhecida fórmula, ou às grandes franquias de ação e terror que existem há décadas, gerando indiretamente mais séries de filmes tentando replicá-las (só para citar um exemplo, lembra a onda de filmes de terror adolescentes que vieram logo após o sucesso do primeiro Pânico?). Entretanto, essa visão mercadológica está muito mais enraizada em praticamente tudo que recebe luz verde dos grandes estúdios ou mesmo de produtoras bastante presentes no mercado. Mais do que isso, é uma lógica que tende a estimular os próprios roteiristas e diretores a pensar em obras a partir daquilo que o mercado vem fazendo, mesmo sem perceber.
Uma das bolas da vez é o chamado “terror dramático” (que já recebeu diversas variações de termos, incluindo o infame “pós-terror”), que ganhou força pela ascensão da A24 e foi ganhando variações tanto em obras independentes quanto como premissa para as maiores produtoras do cinema de terror, como é o caso da Blumhouse, responsável por A Mulher no Jardim. Por mais que nem esse terror que parte de traumas e se preocupa com personagens antes do que com os impulsos do gênero, muito menos a mulher enquanto protagonista dessas obras, sejam novidades no gênero, a forma como isso vem sendo replicado, como se fosse a única possibilidade possível, e, muitas vezes, como uma forma de rejeitar o horror enquanto gênero muito mais corporal do que racional, é uma das grandes problemáticas contemporâneas, ainda que bons cineastas consigam partir dessas premissas para construir obras muito mais interessantes, como é o caso dos recentes Drop - Ameaça Anônima (também da Blumhouse) e Sorria 2.
A Mulher no Jardim é um caso ainda mais complexo dentro dessa dinâmica, pois parece partir já de um desinteresse do estúdio, como se fosse uma obra secundária qualquer da Blumhouse, daquelas que a produtora gosta de vender e fazer parceria com streaming, e que morre no esquecimento de todos antes mesmo de ganhar as telas. Ao mesmo tempo, o primeiro roteiro para um longa-metragem de Sam Stefanak está preocupado apenas em manter essa fórmula tão cômoda para a Blumhouse funcionando sem grandes mudanças, a ponto do longa se interessar quase integralmente apenas em debater, desvendar e principalmente criar uma metáfora a partir do trauma da protagonista (Danielle Deadwyler). Como se fosse mais importante sugerir que o perigo e o medo partem da perda e da depressão enfrentadas por aquela mulher, do que necessariamente desenvolver alguma dinâmica mais física que confronte aqueles personagens correndo risco de vida.
O interessante então é perceber como esse roteiro qualquer coisa, que se aceita como enlatado e pouco interesse tem da produtora, entra em conflito com a direção de Jaume Collet-Serra, um diretor disposto a fazer cinema de gênero há mais de duas décadas em Hollywood, do horror, como A Casa de Cera e Águas Rasas, passando pela ação e aventura, incluindo parcerias com Dwayne Johnson e Liam Neeson nesse processo. A Mulher no Jardim é quase um A Casa de Cera desse tempo, o máximo do que é permitido por um filme da Blumhouse com todos os maneirismos que isso carrega. Collet-Serra pega então esse trauma e faz um esforço para transformá-lo em sensações, principalmente ao materializar o discurso por meio dessa casa e, sobretudo, criando uma desculpa bastante interessante para o escuro e a luz, fazendo do primeiro a salvação e a segunda o verdadeiro perigo (ainda que essa lógica se perca bastante ao final). Não à toa, o filme melhora bastante a partir do momento que aquela família é fisicamente posta em risco e precisa tentar sobreviver, utilizando-se da casa e seus artifícios para vencer o monstro, sendo a revelação desse monstro uma espécie de retrocesso no longa que Collet-Serra não é capaz de conter.