|Crítica| 'Criaturas da Mente' (2025) - Dir. Marcelo Gomes
Crítica por Victor Russo.
![]() |
'Criaturas da Mente' / Bretz Filmes
|
A busca por conhecimento sobre a condição vivida por Marcelo Gomes rapidamente se transforma em um filme de visões plurais sem respostas definitivas, mas com cara de grande reportagem televisiva
Qual é a diferença entre a grande reportagem (popularmente televisiva) e um documentário? Muitos estudos existem a respeito do tema sem uma definição clara. Na faculdade de jornalismo muitos professores dirão que não há distinção, na faculdade de cinema provavelmente a resposta será outra. A história ajudará a tornar essa diferença ainda mais complexa, visto que grandes matérias para a televisão vieram a se tornar documentários posteriormente. Além disso, quando pensamos em um filme documental mais tradicional, aquele que hoje é geralmente mal visto pela crítica e tratado como “quadradão” (porque na maioria das vezes é mesmo), assemelha-se bastante com essas produções informativas (e às vezes investigativas) para emissoras de TV. Então, é realmente importante pensar em uma diferenciação entre grande reportagem e documentário?
Talvez seja um daqueles casos em que depende muito mais do empirismo da experiência do que realmente de uma definição teórica (perceba que o documentário em si não tem uma barreira sólida nem em relação ao filme de ficção), como se ao assistir o espectador soubesse quando se trata de cinema e em que caso mais tem a ver com uma reportagem jornalística. Por mais que esses campos se cruzem, muito se dá pela abordagem estética a partir de um objetivo (não tão rígido, claro), a diferença mesmo entre a informação do jornalismo e o anseio artístico do documentário, que não são totalmente opostos, inclusive tem se tornado cada vez mais comum o cinema adotar essa visão mais utilitarista das coisas, ao mesmo tempo que diversas obras jornalísticas (não só documentários, como textos e fotografias) vêm carregadas de um teor artístico muito grande.
Dito tudo isso, mesmo que não haja uma definição clara entre esses produtos, a verdade é que Criaturas da Mente é um daqueles documentários que adota muito mais uma narrativa e uma linguagem de jornalismo televisivo do que de cinema mesmo, o tipo de obra que não causaria estranhamento se fosse exibida no Globo Repórter. Talvez o que diferencie um pouco o filme e o tradicional programa da maior emissora do país seja a intenção não tão grande de Marcelo Gomes em buscar respostas, ou melhor, de fechar sua busca em definições, já que procurar respostas é sim o que move a obra, do pontapé inicial da investigação até a amplitude de visões que o cineasta traz para aquele mesmo assunto.
É justamente aí que mora o maior mérito da obra, partir de uma condição pessoal, o cineasta que domina a narrativa imagética agora incapaz de sonhar (algo bastante significativo quando sabemos o quão próximos são cinema e os diversos estudos psicanalíticos e do sonho de forma geral, a ponto do cinema possivelmente ter influenciado a forma como sonhamos, com pessoas sonhando em preto e branco, o que provavelmente era impossível antes da fotografia e, principalmente, do cinema). Essa busca pessoal por descoberta, carregada de intimidade, seja no voiceover com reflexões de Gomes que abre o longa e permanece presente durante toda a obra, ou mesmo em como o cineasta se abre diante do público, inclusive aparecendo e revelando em determinado momento que passaria pelo ritual da ayahuasca, não é em nenhum momento uma viagem egoísta. Pelo contrário, se Gomes é o fio condutor da obra, é Sidarta Ribeiro que toma posse do protagonismo da narrativa, passando de fonte e objeto de observação àquele que se envolve e faz muitas das entrevistas da obra. É um documentário disposto a se abrir e ouvir, ver visões dos estudos científicos mais rígidos e aceitos às visões mais populares, passando por diversas religiões e relações com ancestralidade sobre esse elemento tão fascinante e assustador que é o sonho. Todas as percepções são válidas e isso enriquece a obra tematicamente.
Entretanto, tudo é feito muito mais a partir desse interesse temático do que realmente por um discurso narrativo mais sólido e bem acabado. É aqui que o longa se fragiliza e nem parece realmente dirigido por Gomes, um diretor tão autoral do nosso cinema. O fascínio pela descoberta pouco se traduz em discurso imagético, com exceção de alguns efeitos realizados em computador que mais servem como distração do que como complemento. Tudo se resume ao interesse jornalístico, às entrevistas marcadas, uma narrativa que vai se fragmentando não tanto pelo fluxo cinematográfico que acreditar ter, mas, sobretudo, por esse objetivo de ir se dividindo em diferentes pontos de vista complementares, com o voice over funcionando, inclusive, como um tipo de costura entre as entrevistas que mais parece uma “cabeça” de reportagens telejornalísticas.