|Crítica| 'Um Pai Para Lily' (2025) - Dir. Tracie Laymon
Crítica por Raissa Ferreira.
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'Um Pai para Lily' / Synapse Distriburion
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Com sua estreia na direção de longas, Tracie Laymon dá perspectiva otimista para o uso das redes sociais
A primeira coisa que Um Pai para Lily (Bob Trevino Likes It) apresenta à pessoa espectadora é a tela de um computador, em que os créditos iniciais são colocados, seguida por uma tela de celular totalmente rachada em que Lily (Barbie Ferreira), observa, chorando muito, as mensagens de um rapaz. A protagonista apaga, reescreve, tenta transmitir no contato virtual uma reação completamente oposta à que realmente está ocorrendo. Essa dinâmica da introdução é fundamental para o longa, pois é basicamente o resumo de como as relações funcionarão na narrativa e de como o mundo online é extremamente importante para o desenvolvimento da história. Baseado em uma vivência real da diretora estreante em longas, Tracie Laymon, o filme é simples em sua abordagem, mas muito sensível ao lidar com emoções humanas bastante genuínas, usando o universo de contatos cada vez mais artificiais e distantes, a internet, como condutor de uma aproximação legítima.
Embora não fosse a intenção no momento de sua criação, a chegada de uma rede social como o Facebook trouxe para as pessoas do mundo todo a possibilidade de se conectarem, descobrirem novas pessoas e relacionamentos, criar amizades por afinidades e até se reaproximar de antigos conhecidos ou familiares. Na prática, essas ferramentas trouxeram também uma máscara fácil para estranhos jogarem ódio uns nos outros, tornando as relações contemporâneas cada vez mais complicadas e mais distantes. Para Lily, no entanto, uma jovem mulher solitária com uma média de zero curtidas por publicação na rede (números que hoje em dia quantificam bizarramente felicidade, popularidade, saúde mental e afins), uma amizade inesperada com um desconhecido se tornou uma jornada para se sentir bem consigo mesma.
Ao procurar seu pai, Bob Trevino (French Stewart), na rede social, a mulher encontra outro Bob (John Leguizamo). Sem foto, mas com um perfil detalhado, as curtidas do homem nos posts de Lily passam a ser um conforto, a substituição da atenção paterna que nunca recebeu de forma positiva. Se cada vez mais as interações na internet podem ser tóxicas e levarem as pessoas a sentimentos ruins, Laymon vai na contramão e traz uma história poderosa sobre criar laços, construir a sua própria família e levantar a autoestima, algo inimaginável para quem vive em um mundo contemporâneo saturado pela artificialidade da rede vizinha do mesmo dono, por exemplo.
A jornada de Lily é cafonamente emocionante, buscando a lógica clássica em que duas pessoas diferentes se transformam a partir de uma relação. No caso, Bob é também alguém fechado, tímido e sem amigos. O homem que vive para o trabalho, com um luto complicadíssimo em casa e uma esposa que foge dos sentimentos por meio de uma atividade paralela, encontra em Lily não a projeção de uma filha, ou do filho que perdeu, mas uma amiga, alguém para conversar, partilhar e ser a válvula de escape comum que todo ser humano precisa. A protagonista, por sua vez, projeta em Bob um pai melhor do que o seu, alguém que a valida, apoia e ajuda, um parceiro que sempre desejou.
A amizade dos dois personagens é repleta de clichês e apresentada por um melodrama carregado, mas a química entre Ferreira e Leguizamo é genuína. A jovem, despedaçada por um pai egoísta e negligente, aprende basicamente do zero a se relacionar, por meio do novo amigo. Bob a ajuda a ajustar, na prática, suas emoções, expectativas e atitudes, enquanto a terapia barata que ela pode pagar é totalmente falha em lidar com sua bagagem pesadíssima. Leva tempo, então, para que Daphne (Lauren ‘Lolo’ Spencer) seja melhor aproveitada na trama, porque o filme só desenvolve o contato entre as duas melhor depois de Lily amadurecer a partir da amizade com Bob. A mulher, que é tecnicamente sua chefe, de quem ela é cuidadora, implora por uma relação mais próxima entre as duas, o que só acontece mais para o final.
Um Pai para Lily concentra tudo que tem na dinâmica entre Lily e Bob e usa o ambiente digital como principal condutor, da expectativa por uma resposta no chat, até os likes que validam sentimentos. As telas, mensagens e a interface da rede social, é usada ao longo das cenas para construir proximidade em uma lógica que é puramente distante. Essa subversão até ingênua que Laymon provoca, é efetiva ao construir afeto e provocar emoções. A dor de esperar uma mensagem, por exemplo, ganha um contorno dilacerante quando sabe-se que, do outro lado da tela, há algo verdadeiramente terrível impedindo uma resposta. Os closes em Lily que desfocam o fundo e o arredor, fogem da ideia do atordoamento provocado pela avalanche social da internet, mas compreendem realizações reais e humanas em sua vivência no mundo offline.
A partir de uma experiência real, Laymon lida com a complexidade do contato humano na atualidade, permitindo que o mundo tóxico da internet seja visto por esse olhar mais positivo. Por 100 minutos, quase dá pra acreditar que a vida online pode ser boa e que amizades assim podem nascer e transformar os outros para melhor.