|Crítica| 'Caos e Destruição' (2025) - Dir. Gareth Evans
Crítica por Victor Russo.
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'Caos e Destruição' / Netflix
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Filme policial à moda antiga de Gareth Evans vira desculpa perfeita para seu prazer por encenar cenas de ação em um grande mundo de gameplay
Não é segredo para ninguém que Gareth Evans gosta de encenar uma boa pancadaria, como já demonstrou em seus Operação Invasão. Porém, o diretor, que não fazia um longa metragem desde Apóstolo (também para a Netflix), que completa sete anos, e só se envolveu com a série Gangues de Londres nesse meio tempo, parecia meio adormecido no imaginário dos fãs do gênero (ainda que seus filmes de maior sucesso sigam sendo comentados até hoje). A grande sacada de Caos e Destruição (mais uma vez um título genérico qualquer na tradução, sendo Havoc o original, assim como The Raid virou o já citado Operação Invasão) está em seu disfarce inicial, que nunca desaparece, mas vai aos poucos revelando o real interesse do diretor.
Trata-se de um longa que se vende desde a cena inicial a partir de uma lógica já bastante praticada do filme de policial, quase sempre envolvendo a corrupção do sistema e as muitas peças desse tabuleiro que vai do policial ao político, passando por outros cargos de poder nas instituições, além de gangues e mafiosos. Tom Hardy é exposto desde o primeiro plano como o rosto desse anti-herói, o corrupto que não tem mais salvação, mas que seremos obrigados a acompanhar e torcer, já que ele é o único que demonstra arrependimento e está disposto a uma última missão de redenção, ainda que isso não traga sua família de volta ou o absolva dos seus crimes. O ator parece a escolha certa para essa figura durona com pesar, mas sem muito desenvolvimento, assim como Forest Whitaker no piloto automático como prefeito corrupto e Timothy Olyphant como o vilão policial.
Essa lógica mais rasa desse tipo de filme meio canastrão à moda antiga funciona justamente porque Evans o usa como desculpa apenas, como uma maneira de mover uma trama, quando, na verdade, seu interesse está em encenar a ação a partir de uma lógica de video game e artifícios coreográficos típicos do cinema asiático, assim como um mundo artificial e decadente, reforçado por uma trilha cheia de pesar, uma noite constante e as cores refletindo no asfalto molhado, dando uma impressão de estarmos vivendo em um gameplay moderno.
A ideia de gameplay se insere à narrativa, sendo a trama de policial e corrupção uma espécie de cut scenes constantes entre as muitas sequências de ação, quando a gente de fato se envolve, como se pegássemos o controle nesses momentos e pudéssemos nos divertir atirando e lutando. Evans demonstra de novo um prazer inesgotável por encenar essas cenas, trazendo a violência coreográfica asiática (algo que era Operação Invasão como um todo), assim como a capacidade de se usar de objetos de cena como arma e do espaço em completa destruição, mas simula esses planos longos a partir de uma câmera de video game, que evita os cortes não só pelas acrobacias, mas por zooms e movimentos rápidos para mudar o foco, já que quase nunca a ação acontece apenas com um personagem em um lugar, e sim com vários confrontos simultâneos nesses grandes locais que funcionam como palco para o quebra pau.
Nada ilustra tão bem toda essa relação quanto a sequência da boate (sim, de novo uma cena de ação na boate, algum problema? Eu acho que não), em que não só tudo é encenado com esse dinamismo característico que busca referência nesses dois pólos audiovisuais, mas sem perder de vista os atores em meio aos dublês e mudanças de ponto de vista, como, principalmente, Evans exibe esse caráter artificial de gameplay ao cessar a ação por um ou dois segundos para apresentar cada novo grupo que entra por aquela porta a fim de participar da matança indiscriminada. Se essa sequência, que representa o filme como um todo, mas passa longe de ser a única que dá prazer de assistir ao fã do gênero, não é a melhor ilustração de como filmar um video game sem deixar de ser cinema, é melhor então parar de emular a arte irmã no mundo do voyeurismo cinematográfico.