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|Crítica| 'Limonov: O Camaleão Russo' (2025) - Dir. Kirill Serebrennikov

|Crítica| 'Limonov: O Camaleão Russo' (2025) - Dir. Kirill Serebrennikov

Crítica por Victor Russo.

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'Limonov: O Camaleão Russo' / Pandora Filmes

 

Título Original: Limonov: The Ballad (França)
Ano: 2025
Diretor: Kirill Serebrennikov
Elenco: Ben Whishaw, Viktoriya Miroshnichen, Masha Mashkova, Tomas Arana e Corrado Invernizzi.
Duração: 133 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Ben Whishaw serve como mediador do caos e da aleatoriedade impostos por Kirill Serebrennikov e pelo próprio Eduard Limonov

Kirill Serebrennikov é um daqueles cineastas que dificilmente furam a bolha dos festivais de cinema, mas têm acesso livre para passear por eles, sobretudo no maior de todos: o Festival de Cannes. Foi assim em suas obras mais recentes, como o fraco, mas ousado, A Febre de Petrov, e o bom A Esposa de Tchaikovsky. O curioso é que ele segue sendo um dos únicos diretores russos a ter espaço nos festivais após o início da Guerra da Ucrânia, sendo Limonov: O Camaleão Russo um caso ainda mais peculiar, já que o longa lida diretamente com a União Soviética, a sua dissolução e o que veio posteriormente na Rússia, tudo a partir de uma figura tão complexa quanto indecifrável. É bem possível que, para selecionar a obra para a competição oficial, Cannes tenha visto aí um longa crítico ao país, ainda mais em se tratando de uma obra que tem distribuição de países como França, Espanha e Itália, além do polonês Pawel Pawlikowski como produtor e o inglês Ben Whishaw vivendo Eduard Limonov a partir daquela lógica meio novela da Globo, falando inglês com sotaque como se fosse russo dentro da narrativa (e quando vai para os Estados Unidos, segue falando inglês com sotaque, mas agora sendo… inglês. Sim, é isso mesmo). Mas, na prática, será que o longa é tão anti-Rússia e pró-ocidente assim?

A verdade é que Serebrennikov é uma figura tão complexa quanto o seu cinema. Cheio de excessos (e aqui com um orçamento relativamente generoso para os padrões não-hollywoodianos de mais de U$ 10 milhões) e uma mise en scéne que por horas soa até um tanto aleatória, o diretor, abertamente gay (o que é motivo de discriminação e ataques estatais “não-oficiais” na Rússia) e que já ficou preso por mais de dois anos, parece ter uma relação tão complexa com o seu país de origem quanto o seu protagonista deste novo longa. É justamente essa ambiguidade que Cannes e os europeus talvez não tenham percebido no filme (possivelmente nem fosse a intenção de Serebrennikov, mas está presente por toda obra).

Whishaw se transforma então nesse elo entre todas percepções mais abertas e muitas vezes aleatórias do cinema do cineasta, em uma mistura de cinebiografia factual (o que retorna com os textos finais e está presente na estrutura geral da obra), com uma fantasia psicológica (é difícil saber o que era para ser real e o que não passa dos devaneios da mente do escritor), adentrando a ficção científica (por meio de uma distopia alucinógena), além, é claro, das diversas rupturas, comuns na carreira de Serebrennikov, do espaço físico daquele momento, misturado a brincadeiras ao inserir os anos em que os eventos acontecem e uma mudança constante de cor (entre preto e branco e colorido), razão de aspecto (entre o widescreen e uma tela quadrada que remete a câmeras mais antigas) e a resolução e coloração, que transitam entre as diferentes épocas que o longa passa, remetendo ao cinema desses respectivos períodos, ainda que nem sempre de maneira tão fiel e consistente.

No meio de todo esse carnaval meio alucinógeno, Whishaw sustenta esse personagem que parece não compreender exatamente a si mesmo, que vive entre a realidade, a fantasia, o idealismo (ora real, ora autoimposto) e a desilusão (amorosa, com sua nação, com a militância e com tudo que o cerca), não nos dando um real direcionamento simples para entendê-lo, mas justamente embarcando nessas ambiguidades e mudanças repentinas de um filme que impede o espectador de decifrá-lo, muitas vezes pela própria narrativa e os seus lapsos temporais, inclusive, como o salto de anos que nos proíbe de ver o escritor realmente se transformar em alguém mundialmente famoso, além de muitas mudanças consideráveis, do seu retorno para a Rússia pós-queda do Muro de Berlim, a relação com o Estado e sua radicalização posterior a um líder de seita extremista e figura de atenção midiática. É como se o próprio Serebrennikov não tivesse a menor ideia da razão e do processos dessas transformações, e, menos ainda, uma opinião formada sobre aquela figura. 

Assim, resta esse longa meio desconjuntado, cheio de várias ideias, por momentos cansativo e repetitivo, em outros aleatoriamente transgressivos. Tudo se conversa de uma forma não muito natural e harmônica, mas a centralização de tudo isso em um Whishaw em completa transformação (como o “camaleão” presente no título brasileiro) torna tudo engajante e desorientador o suficiente para que possamos acompanhar com atenção, e, não com descompromisso, essa longa trajetória em aberto.

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