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|Crítica| 'Tempo de Guerra' (2025) - Dir. Alex Garland e Ray Mendoza

|Crítica| 'Tempo de Guerra' (2025) - Dir. Alex Garland e Ray Mendoza

Crítica por Victor Russo.

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'Tempo de Guerra' / A24

 

Título Original: Warfare (EUA)
Ano: 2025
Diretores: Alex Garland e Ray Mendoza
Elenco: D'Pharaoh Woon-A-Tai, Cosmo Jarvis, Will Poulter, Charles Melton, Joseph Quinn, Kit Connor e Noah Centineo.
Duração: 96 min.
Nota: 3,5/5,0
 

Alex Garland e Ray Mendoza olham para o militarismo estadunidense de forma bastante direta e ambígua

Apenas um ano após a estreia do ótimo e divisivo Guerra Civil, Alex Garland, que havia dito na ocasião se retirar do posto de diretor e focar apenas na carreira de roteirista, volta a combinar as duas funções, mas não mais sozinho, e, sim, ao lado do ex-militar (e com alguns poucos créditos como dublê em filmes de guerra),  e estreante no cargo Ray Mendoza, que traz consigo um grande conhecimento das práticas militares, como se portar, comunicar, agir e até mesmo o cenário de guerra (som, espaço, visão dos soldados em combate e mesmo o que há de mais gráfico em lesões sérias ou fatais). É um casamento interessante a essa visão anti-militarista de Garland, cineasta britânico que já havia tirado sarro do país norte-americano e sua tara por armas e conflitos. É difícil saber exatamente o que partiu de cada um e qual é a relação de Mendoza com o exército americano (um veterano apaixonado ou crítico?), mas soa como se fosse justamente essa parceria que transforma Tempos de Guerra em uma obra bem feita, realista e de discurso bastante ambíguo.

Muito se questionou sobre a falta de um posicionamento mais claro de Garland em Guerra Civil, como se ele precisasse definir bem quem é a extrema-direita e quais são os liberais naquela visão distópica para os Estados Unidos (o que até aparece de forma sutil, mas passa longe de ser o foco real do filme). Ao mesmo tempo, o longa depositava em seus personagens, jornalistas de guerra, um conflito entre pensar e sentir semelhante ao de Tempo de Guerra. Se eram eticamente críticos ao combate, permaneciam ali não apenas pelo dever da profissão, mas porque se sentiam energizados no meio do fogo cruzado, a adrenalina de ter sua vida por um fio o tempo todo. Já em seu novo longa, o paradoxo não parte dos personagens, mas da própria direção e do discurso mais evidente anti-guerra dentro de uma abordagem bastante direta que deposita todas as fichas na batalha e na empatia pelo grupo, ainda que conheçamos muito pouco de cada um, assim como quase nada vemos de quem os atacam. Nesse sentido, a abordagem até lembra um pouco Dunkirk, mas sem aquela pretensão temporal falsamente complexa ou da estilização carregada sem muito efeito.

Então, o filme inicia com aqueles soldados vendo um clipe musical que dá closes na bunda das mulheres, enquanto eles celebram em um modo meio “bros”. Eles são só garotos jogados em uma guerra, parece dizer Garland e Mendoza. Um corte os jogam para a ação, uma invasão na calada da noite, com som ambiente (o trabalho de som de todo o longa é de uma complexidade belíssima para criar efeitos realistas e caóticos ao mesmo tempo, com muitos se sobrepondo, mas sem uso de trilha sonora musical), o silêncio domina, escutamos apenas eles cochichando, ou seus passos e equipamentos em movimento. Ao tomarem uma casa familiar qualquer, mas de posicionamento estratégico, de novo a montagem se faz presente para inserir um discurso, até então pouco compreendido. Vemos aquela casa e muitas fotos do local, incluindo “selfies” de garotos ali na frente. A moradia aparece intacta, assim como no início do longa, um contraste gigantesco com o final, quando os militares deixam a residência, completamente destruída, não só por ação indireta (eles sendo atacados), como também por atitudes dos americanos, como o tanque que bombardeia a parte de cima ou mesmo a destruição de uma parede feita por uma marreta durante a invasão. 

Fica claro então o discurso anti-guerra que permeia todo o longa e ainda encontrará ecos na perda de controle daqueles jovens, incapazes de reagir frente à realidade diante deles (seja com a perda de consciência ou os gritos ao serem feridos) e diante do controle bastante restrito do exército, revelam-se pessoas um tanto ingênuas (o garoto que aplica morfina em si mesmo, os dois que fazem uma dança meio sexual infantil antes da invasão ou os outros que pisam sem perceber na perna por um fio do soldado ferido). Eles levam a destruição para aquela casa, uma propriedade privada (como os americanos tanto amam defender) que nada tinha a ver com o conflito, mas não são eles os reais responsáveis pela guerra e seus crimes, e sim os que dão as ordens e que nunca vemos. Garland e Mendoza inclusive evitam ao máximo mostrar personagens de ambos os lados sendo mortos em tela, mas não hesitam em exibir os ferimentos do conflito e a dor provocada, física ou psicológica.

Em meio a essa homenagem aos veteranos do conflito, Mendoza parece mais interessado nas pessoas e menos em defender o exército americano. Foram aqueles que perderam tanto em prol de uma causa, que o próprio filme reconhece como errada, a ocupação que leva vidas e casas de inocentes. Só que, no processo, todo o longa, que é encenado com habilidade dentro daquele espaço restrito, da calmaria e o prenúncio inicial, até o caos, o conflito, o confinamento e os tiros voando para todos os lados sem encontrar ninguém, o que vemos ainda são os americanos, com quem conseguimos nos afeiçoar um tantinho durante esses 90 minutos. Mais do que isso, há um prazer em encenar a ação, com uma decupagem que percorre vários espaços dentro daquela casa e sua vizinhança, com uma montagem que vai de tiroteios a visões de drones, passando pela mira do sniper. É a ambiguidade de se horrorizar e criticar a guerra, mas vibrar com os efeitos de adrenalina dela e se preocupar em detalhar cada sentimento e vivência em batalha, incluindo a longa espera antes dos tiros e explosões.

A discussão não é nova, os críticos da Nouvelle Vague já enfrentavam tais questões indagando se realmente havia um filme anti-guerra, ou se o ato de filmá-la já geraria um efeito oposto. Garland e Mendoza não buscam a resposta fácil, compreendem toda a ambiguidade que permeia o assunto e inclusive o quanto podem ser criticados por isso. A pergunta não é então se o filme é propaganda militar ou contra a guerra, mas perceber a habilidade de, sem entregar respostas mastigadas, entender a complexidade do tema por meio do fazer cinema, da ação de fato, com as duas faces da mesma moeda se tornando uma só, assim como a sujeira mais realista (provavelmente vinda de Mendoza) se combinando muito bem com o esteticismo calculado de Garland.

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