|Crítica| 'Drop: Ameaça Anônima' (2025) - Dir. Christopher Landon
Crítica por Victor Russo.
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'Drop: Ameaça Anônima' / Universal Pictures
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Christopher Landon usa a lente grande-angular e o celular para transformar e ampliar o espaço físico e transformá-lo em uma extensão do digital
Diretor dos ótimos A Morte Te Dá Parabéns e Freaky, Christopher Landon é um dos únicos cineastas atuais capaz de lidar com o gênero, seus clichês e saturações a seu favor, sempre os utilizando não apenas como sacadinhas espertas ou meras referências, e, sim, como potencializadores dos sentimentos base desses mesmos gêneros. Foi assim com a subversão completa da final girl na obra de 2017, que, ao inserir o “efeito Feitiço no Tempo”, colocava a que sobrevive para morrer incessantemente, sem nunca deixar o cômico tirar a força de cada uma das mortes. Aconteceu também no slasher com troca de corpo em 2020, e todo o potencial de manipulação criado a partir dessa premissa e suas referências com esse subgênero do horror.
Drop: Ameaça Anônima pode não ter uma referência tão clara e marcante como os dois já citados, mas vem carregado de uma série de elementos extremamente saturados no horror e no thriller contemporâneo, tanto em estrutura, quanto em história, temas e estilos. De novo (e ainda melhor), Landon joga com essas características para potencializar a tensão e não apenas como indicativos sociais e piscadinhas para os fãs. Acima de tudo, o cineasta entende que tudo depende do como filmar e decupar essas cenas e em que momento trabalhar cada um desses elementos.
A cena inicial parece indicar que o filme seguirá aquela estrutura bastante recorrente do horror, o início em in media res (no meio da ação), uma espécie de clímax dramático do longa, para em seguida retornar ao início e construir tudo até a chegada daquela cena novamente e agora mostrar sua resolução. Só que Landon é tão habilidoso ao brincar com os integrantes masculinos do seu elenco, que mesmo após mostrar o rosto do agressor de Violet (atuação brilhante de Meghann Fahy) logo de cara, vemos uma série de homens genéricos (de cabelo liso castanho e barba) no restaurante e fica difícil lembrarmos se algum deles é o mesmo que ameaçava a vida de Violet na cena inicial. Sabemos por cima do passado da protagonista, que sofreu com um relacionamento abusivo com o pai do filho dela, mas ficamos no escuro se aquela cena se tratava do ex-marido (passado) ou se é uma espécie de repetição do sofrimento dela (no futuro, após o restaurante).
Temos então a típica protagonista do terror contemporâneo (que passa longe de ser uma novidade do cinema atual, mas que agora parece a única opção para a maioria dos cineastas), a mulher com um trauma que serve de comentário social e na maioria das vezes os longas se resumem a explorar psicologicamente esse passado, com metáforas, sem nunca se preocupar de fato em construir pela imagem e por elementos mais diretos do horror. Para Landon, a questão está sempre presente, ela serve justamente para a desconfiança dessa mulher, que tem sua casa toda vigiada por câmeras, e estimula inclusive o jogo visual dominante, a percepção intrínseca ao cinema de olhar e ser olhado. O voyeurismo aqui não parte de Violet, mas de alguém próximo a ela que a observa e ela desesperadamente tenta descobrir quais daqueles rostos masculinos é o responsável por isso. Mais uma vez, um elemento que se tornou clichê do gênero vira dispositivo para a mise en scéne de Landon.
Não para por aí, inclusive até o alívio cômico mais canastrão é utilizado com uma habilidade ímpar pelo diretor, o garçom atrapalhado e falador (Jeffery Self), que inicialmente é só uma piadinha boba, vai servindo para aumentar o desconforto da protagonista quando o suspense cresce. Vira uma espécie de barreira insuportável que a obriga a atuar e fazer tudo parecer que está tudo bem, enquanto tenta solucionar esse caso impossível. Ele irrita ela e o público na mesma medida, enquanto, de novo, a forma de agir de Violet demonstra indiretamente os seus traumas e o lidar com uma realidade que não está tudo bem, mas ela precisa fazer parecer que sim.
Mas a grande sacada mesmo está na construção do espaço, muito favorecido pelo uso da lente grande-angular, capaz de fotografar o espaço com maior profundidade e expandi-lo horizontalmente, ao mesmo tempo que quando em milimetragem mais baixa ou muito próxima do objeto de ação, gera distorções. É um dos artifícios técnicos do cinema que vem sendo usado cada vez mais sem qualquer sentido, quase sempre apenas para gerar distorções na imagem, como se isso fosse descolado e inovador. Quase nunca o é. Não é o caso de Landon, que, desde a chegada de Violet naquele restaurante, passeia quase que integrando aquele bando de pessoas genéricas ao espaço, um monte de seres despersonalizados e assassinos em potencial, servindo para vermos aquele lugar como uma extensão do mundo virtual (ou o contrário), em um longa que vai alternar entre o celular e o mundo real o tempo todo, que as câmeras e escutas estão no local, mas a chantagem é feita via air drops, uma ameaça invisível e, por isso, mais assustadora.
Essas barreiras se rompem, as mensagens saem da telinha e aparecem integradas àquele espaço, enquanto todos ali presentes estão o tempo todo mexendo em seus aparelhos portáteis. O contrário também é válido, a partir do momento que o espaço físico é ampliado pelo celular de Violet e ameaça consequentemente. Ao ter sua casa completamente vigiada e com as imagens disponíveis em um app, o celular é capaz de transmitir simultaneamente todos esses lugares e reforçar a incapacidade da protagonista em ter qualquer tipo de ação para salvar seu filho e sua irmã. Mais uma vez, ela tem o acesso visual, ela reconhece o espaço, mas nada pode fazer. É justamente essa vulnerabilidade (sugerida inclusive pela mesa que ela e o seu date estão, com a cidade inteira os engolindo e separados por um vidro de um abismo) e a impotência que move a protagonista, criando uma nova conexão com o seu passado. O roteiro é hábil não só ao lidar com a tecnologia, mas principalmente ao transformar essa personagem, que quase perdeu seu filho anos antes por não ter feito nada (como ela mesma diz) e agora ser vítima de uma manipulação para assassinar o cara de seu encontro e não poder fazer nada por conta da observação constante desse espaço que perde os limites entre o mundo físico e digital. Vence então quem melhor sabe criar esse ilusionismo de sugestão do que está sendo visto, Landon rege essa orquestra do olhar com maestria.