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|Colunas| Coluna Coágulo #006 - Por Tati Regis: 'O Drácula da Hammer e a Voz Silenciosa do Vampiro'

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Tati Regis escreve mensalmente sobre o cinema de horror na coluna Coágulo.

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O Drácula da Hammer e a Voz Silenciosa do Vampiro

Por: Tati Regis

Durante uma maratona dos filmes do Drácula da Hammer, algo curioso me chamou a atenção: apesar de ser o epicentro do terror e carregar seu nome nos títulos, o Conde, na figura de Christopher Lee, muitas vezes fala pouco ou aparece por um tempo reduzido em cena. Em Drácula (1958), por exemplo, ele tem apenas 13 falas ao longo de todo o filme. Em Drácula, O Príncipe das Trevas (1966), sua presença se constrói mais pelo ambiente, pelos olhares e pelas insinuações do que pelos diálogos. Isso me levou a refletir sobre a importância de Lee para a franquia e como sua interpretação silenciosa moldou o vampiro na cultura pop, refletindo também as transformações da Hammer Films e do próprio gênero de terror.

A Hammer, produtora britânica, revolucionou o terror nos anos 1950 e 1960 ao substituir o clima sombrio dos clássicos da Universal por produções de atmosfera carregada, violência estilizada e erotismo latente. Christopher Lee, com seu porte imponente e olhar hipnótico, deu vida a um Drácula mais animalesco e predador, cuja ameaça frequentemente se manifestava sem a necessidade de palavras. Um exemplo notável é o filme de 1966, no qual o personagem sequer possui falas. Segundo The Hammer Story: The Authorised History of Hammer Films, de Marcus Hearn e Alan Barnes, Lee chegou a falar mais em um comercial do filme do que no próprio longa. Embora haja relatos de que ele se recusou a dizer seus diálogos, também é possível que a produção tenha optado deliberadamente por um Drácula mais instintivo, intensificando sua aura de mistério e perigo. Essa economia de falas e aparições criava um paradoxo: Drácula se tornava mais ameaçador justamente porque surgia pouco. Sua presença era sentida constantemente, mas materializada apenas nos momentos cruciais. Esse efeito era reforçado pelo uso de cenários, iluminação e trilha sonora, além das reações dos personagens ao redor do vilão. Como apontado por Hearn e Barnes, a Hammer nessa época ainda priorizava a sugestão ao invés da exposição direta do horror.

Nos primeiros filmes, o Drácula de Lee era uma figura quase primitiva, uma força bestial que seduzia e manipulava suas vítimas, especialmente mulheres. A Hammer consolidava o vampiro não apenas como um monstro, mas como um predador que colocava as personagens femininas em posição de vulnerabilidade. Com o tempo, essas personagens ganharam mais complexidade, assumindo papéis que iam da vítima à sedutora ou mesmo ao desafio direto ao poder do Conde.

Além de seu impacto na produtora, Christopher Lee revitalizou o terror britânico. Sua interpretação trouxe um Drácula mais físico, ameaçador e sedutor, diferenciando-se da versão aristocrática e teatral de Bela Lugosi. Seu trabalho ajudou a consolidar a Hammer como um estúdio de prestígio no gênero e influenciou produções de horror na Europa e nos EUA. Mesmo quando a fórmula começou a perder força nos anos 70, Lee permaneceu um ícone, mantendo sua versão do vampiro como uma das mais influentes da história do cinema. Sua versão do Conde Drácula ajudou a moldar a imagem do vampiro moderno: uma criatura sedutora e predatória, mas ainda envolta em tragédia e decadência. Mesmo décadas depois, adaptações que tentam se distanciar da estética gótica continuam dialogando com seu legado. Seu impacto é perceptível tanto em interpretações clássicas, como Drácula de Bram Stoker (1992), quanto em releituras subversivas, como as de Paul Morrissey ou o novo Nosferatu de Robert Eggers.

Nos anos 70, o terror mudou drasticamente, refletindo novas tendências culturais, sociais e estéticas. A Hammer, antes soberana no horror gótico, passou a adaptar suas produções para um público mais interessado em horror gráfico e contemporâneo. Em Drácula no Mundo da Minissaia (1972), o Conde ressurge em Londres nos tempos modernos, trazendo o vampirismo para um cenário urbano e explorando a contracultura da época. Já em Os Ritos Satânicos de Drácula (1973), a trama flerta com teorias de conspiração e espionagem, colocando Drácula como líder de uma seita que busca espalhar uma praga mortal. Essas abordagens alinhavam o gênero a uma pegada mais contemporânea e, em certa medida, um tom mais ousado e perturbador, em comparação aos filmes anteriores da franquia.

Essa reinvenção, no entanto, diluiu a essência do personagem. O Conde perdeu sua aura gótica e aristocrática, tornando-se mais uma peça dentro de tramas repletas de ação e violência explícita. Em A Lenda dos Sete Vampiros Dourados (1974), o filme mais inusitado da Hammer, a produtora uniu o gótico ao cinema de artes marciais, tentando capitalizar sobre a popularidade dos filmes de kung fu da época. Sem Christopher Lee no papel, Drácula foi interpretado por John Forbes-Robertson e aparece apenas brevemente, servindo mais como um catalisador para a trama do que como uma presença central. A história leva Van Helsing (Peter Cushing) à China, onde ele enfrenta um culto vampírico ancestral, numa tentativa de modernizar a franquia, mas que também evidenciou sua perda de identidade.

A trajetória de Drácula dentro da produtora inglesa, espelha a evolução do terror. De um predador silencioso e animalesco a um personagem deslocado em um horror mais explícito, ele acompanhou – e, em certa medida, sofreu – as transformações do gênero. No processo, deixou para trás suas raízes sombrias, buscando se reinventar em um mercado que caminhava em novas direções.

E assim, ao tentar modernizar e fortalecer a lenda de Drácula, a Hammer pode ter, na verdade, acelerado sua decadência. O Conde, outrora um símbolo imortal do horror gótico, viu sua sombra se dissipar diante de um cinema mais brutal e direto. Seu silêncio, antes ameaçador, deu lugar a diálogos que já não carregavam o mesmo peso. No entanto, diante de uma figura tão imponente e resistente ao tempo, será que Drácula realmente desaparece? Ou apenas aguarda, oculto nas sombras, por uma nova chance de ressurgir?

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