|Crítica| 'Holland' (2025) - Dir. Mimi Cave
Crítica por Victor Russo.
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'Holland' / Prime Video
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Amontoado de ideias, referências e concepções visuais perdem força em uma sátira que não sabe lidar com seus gêneros e caricaturas
Mimi Cave, com seu bom Fresh, parecia ser uma das únicas cineastas americanas a entender como ter em sua crítica mais direta uma ânsia por fazer cinema de gênero e criar caricaturas complexas o suficiente para enaltecer a crítica mais óbvia proposta. Sebastian Stan virava esse vilão charmoso, mas também ridículo e ameaçador, uma subversão do serial killer para se transformar em um negociador de partes de corpos femininos. Cave nunca para por aí, filma aqueles pedaços de carne com uma certa ambiguidade mórbida, gerando desejo e repulsa na mesma medida, assim como sabe transitar entre a sátira que envolve o vilão e o horror de sobrevivência inerente às mulheres ali presentes. O próprio cenário daquela casa-prisão carrega muito dessa dualidade provocativa inerente a todo o longa.
Holland chega tentando seguir uma mesma linha de abordagem, inclusive nos gêneros trabalhados (terror, sátira e comédia) e suas características principais (vilão misterioso, mulher “aprisionada” e caricaturas). Mas nada funciona como antes, nem sequer parece uma obra da mesma cineasta. Tudo aqui se transforma em uma prática mais comum dessa sátira social contemporânea, o riso fácil pelas ações daqueles personagens estereotipados envolto em uma crítica social mais óbvia, mas que vende uma certa profundidade pelas metáforas e referências. Começa brincando com uma comunidade com tradições holandesas no Michigan, referenciando claramente Esposas em Conflito (e suas inúmeras derivações e remakes não oficiais), para ir se transformando em um thriller mais bobo e, ao final, inserir elementos de terror, com um serial killer teoricamente ameaçador. Una a isso uma série de referências visuais a outros filmes, sendo a mais clara ao icônico plano de Pacto de Sangue, e metáforas mais óbvias que vêm sendo replicadas aos montes recentemente, como o uso da maquete como representação daquele mundo de aparências e manipulações (Hereditário, Herege, Objetos Cortantes e tantos outros fizeram isso na última década, sem contar Os Fantasmas Se Divertem como um dos precursores, a ponto de transformar a ideia em algo um tanto tolo atualmente, como já tinha apontado no filme protagonizado por Hugh Grant).
Ainda que a cineasta demonstre uma habilidade de composição de planos semelhante ou até mais aprimorada do que em seu filme anterior, por exemplo em como filma Matthew Macfadyen com mistério, ou Nicole Kidman de maneiras distintas quando está com a família, sempre solitária no plano e com apenas um feixe de luz, e com o personagem de Gael García Bernal, dando uma vivacidade pela imagem do que era para ser esse casal de amantes que adotam um ar mais canastrão quando juntos, no geral, Cave tem uma dificuldade não só de articular todas as suas ideias e transições entre gêneros e tom, como, principalmente, soa como um filme desinteressado por ele mesmo. O que é ainda mais frustrante em se tratando de uma sátira, que flerta com a comédia besteirol, o suspense de investigação e o terror de serial killer. São gêneros vivos em sensações, que fazem (ou deveriam fazer), o público gargalhar, ficar apreensivo e temer pela vida dos personagens. Com exceção de algumas boas piadas, muitas vezes pela montagem, o filme é monótono, desajustado e cansativo, justamente porque não consegue (ou melhor, não tem interesse) em trabalhar com a frontalidade mais próxima desses gêneros. Tudo é distante, os personagens não são só caricaturas, mas são sem vida (o que só funciona minimamente com MacFadyen). Somos convidados a acompanhar de perto os amantes em suas aventuras para descobrir o que o marido dela está escondendo, mas os personagens são tão intransponíveis que fica difícil ter simpatia até por suas trapalhadas.
Ao final, não funciona como sátira e muito menos como filme de gênero. É uma cartilha que se constrói para os filmes críticos e irônicos que quase sempre o fazem à custa dos personagens, apenas os ridicularizando, uma vontade de se sentir bem desses criadores que se colocam em uma posição de superioridade perante o mundo que criam. No processo, sempre o que falta é uma real vontade de fazer cinema, fazendo dessa arte apenas um veículo meio desinteressado, enquanto só as críticas importam.