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|Crítica| 'O Melhor Amigo' (2025) - Dir. Allan Deberton

|Crítica| 'O Melhor Amigo' (2025) - Dir. Allan Deberton

Crítica por Raissa Ferreira.

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'O Melhor Amigo' / Vitrine Filmes

 

Título Original: O Melhor Amigo (Brasil)
Ano: 2025
Diretor: Allan Deberton
Elenco: Vinicius Teixeira, Gabriel Fuentes, Leo Bahia, Claudia Ohana, Denis Lacerda, Gretchen e Mateus Carrieri.
Duração: 93 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Allan Deberton diverte, e se diverte, transformando Canoa Quebrada em palco de seu musical colorido e apaixonante

As cenas em apartamentos, passando por objetos, ruas e luzes baixas, que abrem O Melhor Amigo, refletem o estado de espírito de um protagonista preso em si mesmo, em uma história de amor mal resolvida no passado, e a incapacidade de viver intensamente a nova possibilidade do presente. O carro do famoso “loucuras de amor”, que todo brasileiro já ouviu falar, demonstra o abismo entre a timidez de Lucas (Vinicius Teixeira) e o namorado muito mais desinibido (Leo Bahia). Da mesma forma, a pessoa espectadora demora a compreender verdadeiramente o que se passa com o personagem, pois Allan Deberton permite que Lucas guie a narrativa em seu próprio ritmo. Assim, sua forma mais fechada de viver, sentir e demonstrar, não é ultrapassada antes do tempo, o homem se desenvolve em sua jornada e, conforme essa é acompanhada, a obra desvenda com mais facilidade seu amadurecimento e as questões que o travam.

Ao pegar a estrada rumo a uma viagem vastamente planejada, a atmosfera ao redor de Lucas se torna banhada pela luz do sol e as cores vibrantes, que não abandonam mais a encenação de O Melhor Amigo e se incorporam aos números musicais. Canoa Quebrada vira cenário dessa quase versão cearense de Mamma Mia!, em que o encontro com o primeiro amor, Felipe (Gabriel Fuentes), parece muito longe de ser acidental. Lucas deixa para trás o ex (ou atual?), e muitas outras coisas, como que buscando se entender por meio da resolução de sua primeira paixão por outro homem, um relacionamento que viria a definir tantas coisas em sua vida. Um dos destinos mais populares do Ceará ganha, além da fotografia muito solar e colorida, fortalecida pelos detalhes de objetos e figurinos, uma vivência queer com enormes acenos aos anos 80 e 90. Cartazes de uma apresentação da Gretchen são vistos nas paredes, shows de drag embalam as noites com garçons de sunga servindo sensualmente os clientes, Mateus Carrieri faz parte de um casal gay aberto, Claudia Ohana é vista nas ruas (vendendo Dindim, Sacolé, Geladinho, ou como se chama na sua região) e por aí vai. 

Se Lucas é introspectivo e, por isso, com dificuldades em se expressar, o musical está aí tanto para o confrontar quanto para facilitar seu desenvolvimento. Com músicas conhecidas e um sotaque nordestino, que não só é muito bem-vindo na reinterpretação desses clássicos, como também bastante destacado na entonação, o hit dos anos 80 Amante Profissional incita o desejo entre Lucas e Felipe, a música da Blitz marca uma maior expressividade do protagonista sobre seus sentimentos e vontades, e aquela trilha famosa de Flashdance contempla seu futuro depois de tudo que foi vivido em Canoa Quebrada. E se tudo isso é muito divertido, é porque Allan Deberton saiu de uma protagonista fascinante e irreverente no ótimo Pacarrete e abraçou uma ideia antiga, de seu curta de 2013, trazendo um tom muito mais pessoal. 

O Melhor Amigo tem toda a cara daquela obra carregada de referências próprias, as que um autor tem verdadeira paixão, e, por isso, todas soam bem incorporadas na narrativa íntima de Lucas e possuem personalidade genuína no longa. Mesmo que sejam letras e ritmos conhecidos, o filme se apropria dessas músicas, até mesmo quando uma apresentação no palco canta um sucesso da Xuxa, isso se torna algo muito autêntico do universo que Allan Deberton construiu. São números exagerados, que, aos poucos, saem do contraste com a personalidade tímida de Lucas e o tiram dessa clausura, trazendo o protagonista também para a leveza e a alegria de se expressar livremente. 

Mas, para isso, o filme todo o leva a se conhecer a partir desses dois homens, o namorado extrovertido, Martin, que ganha um arco individual bem interessante, e o primeiro amor, que é um esteriótipo fortão e bonitão, além de todas as pessoas que compõe uma vivência queer de aplicativos de paquera, baladas, relacionamentos e gírias, mostrando ao fundo um senso de comunidade fortalecida. Embora exista uma profundidade orgânica nos sentimentos e temas abordados, nada tem uma pretensão super complexa, pelo contrário, O Melhor Amigo usa códigos bem populares para ser uma obra primordialmente divertida, com ares de comédia romântica dos anos 90, mas exaltando esse universo de uma forma ao mesmo tempo natural, de um cotidiano comum, e exagerado, pela encenação, cores e números musicais.
 

É inegável o quanto Allan Deberton, equipe e elenco devem ter se divertido com esse trabalho, transbordando para fora da tela o clima de verão, a vontade de sentar nas areias de Canoa Quebrada, de cantar e viver um romance tão passageiro quanto inesquecível. 

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