|Crítica| 'Vitória' (2025) - Dir. Andrucha Waddington
Crítica por Victor Russo.
![]() |
'Vitória' / Sony Pictures
|
Fernanda Montenegro se transforma em um monumento a ser filmado com toda atenção, em filme que funciona mais como melodrama do que como thriller político baseado em fatos reais
Vitória é um filme que já nasce carregado de questões prévias que merecem algum interesse. A primeira diz respeito à escolha de Fernanda Montenegro para viver a protagonista baseada em uma mulher que na vida real era negra. Vale um contexto, por estar no programa de proteção à testemunha, ninguém sabia como ela era até 2023, enquanto Fernanda foi escalada para o papel um ano antes. Além disso, o longa já estava pronto ano passado, mas a Sony optou por atrasar o lançamento em quase um ano e colocar Ainda Estou Aqui primeiro na fila, escolha acertadíssima, já que, agora, com o Oscar vencido pelo filme de Walter Salles e que conta com Fernanda Montenegro na sequência final, Vitória já chega com um marketing bem encaminhado. Um último fato importante diz respeito à direção do longa, que era comandada inicialmente por Breno Silveira, creditado ainda como produtor e com dedicatória no início dos créditos finais, que faleceu em 2022, passando o projeto para Andrucha Waddington. Pelo que as imagens iniciais mostravam, tudo indica que muita coisa foi descartada e modificada nessa transição, inclusive relacionado à ambientação (nesse sentido, só é possível especular).
Tais tópicos extrafílmicos, assim como a história real, talvez sejam mais interessantes do que a obra de Andrucha, que tem uma dificuldade grande de transformar Vitória em uma narrativa pronta e contínua, soando quase como um grande trailer ou como uma história engessada demais pelo que aconteceu. E não só por isso, com o medo de cair na graça dos reacionários, o que facilmente aconteceria, ainda mais em 2025, em um filme protagonizado por uma justiceira que luta sozinha contra o tráfico de drogas e a polícia corrupta, Andrucha insere uma série de elementos de defesa, tanto em diálogos e cenas inteiras, como, principalmente, em personagens secundários. A todo instante o longa precisa reforçar que a protagonista só está tentando fazer o certo, mas ela não é uma conservadora, como muitos filmes associam a personagens mais velhos (vale dizer que Fernanda é muito mais velha do que a Nina real era em 2005). Ela é a única a fazer amizade e gostar da nova moradora, uma mulher transexual (Lynn Da Quebrada), a defender o menino negro e a ter um vínculo fortíssimo com o jornalista (Alan Rocha), também negro. Enquanto isso, tudo que envolve o síndico e os demais moradores do prédio servem apenas como caricaturas bolsonaristas, um discurso fácil e raso para mais uma vez reforçar o teor político do longa.
Assim, ao voltar toda a sua atenção para Fernanda, Andrucha parece hipnotizado pela capacidade da sogra (o diretor é casado com Fernanda Torres e já trabalhou algumas vezes com a esposa e sua mãe), a câmera olha para atriz, quase sempre de perto, como se tivesse filmando um monumento, um ser grandioso demais, e captasse cada detalhe de sua dor e obstinação por fazer o que acredita ser o correto. Os cortes tardam a chegar e constantemente podemos ver seu olho enchendo de lágrimas ou a sua voz tendo dificuldade em sair de sua boca. Desde o primeiro plano, com a personagem sozinha em um calçadão vazio, até o desaparecimento final dela, o longa se preocupa tanto por Dona Nina que praticamente ignora o teor de perigo da narrativa. Trata-se de um thriller político que na verdade funciona mesmo como melodrama.
A mulher que decide filmar de sua janela o crime organizado a sua frente pouco tem da referência que parece clara, Janela Indiscreta, ou de qualquer interesse pelo voyeurismo hitchcockiano típico. O próprio suspense, enquanto códigos de um gênero, vê-se bastante esvaziado por um afastamento do perigo. Com exceção da cena do jornalista sendo perseguido por um carro escuro com pessoas armadas e o momento em que Nina é levada ao comandante do morro, antes de tudo se revelar algo diferente do que pensávamos, não há qualquer construção de perigo à figura da protagonista. Ela filma indiscriminadamente, mostra isso para policiais corruptos, os traficantes são avisados de suas ações, e mesmo assim o longa nunca parece se interessar pelo risco real de vida dela. Inclusive, a narrativa é tão incapaz de fazer isso que é preciso reforçar esse assunto não pela imagem ou pela montagem, mas por linhas de diálogos da investigadora.
Vitória se revela então como um melodrama eficiente, que reconhece Fernanda não apenas como Nina, mas como Fernanda Montenegro, carregando todo seu talento e história no cinema brasileiro. Porém, quando se desprende do melodrama e precisa dar um choque pelo thriller ou se aprofundar em todas as temáticas que levanta, tanto sobre desenvolvimento das cidades (como foco maior no Rio de Janeiro, é claro), quanto pela ineficiência de um sistema corrupto que não protege os cidadãos, tudo cai no lugar mais superficial e calculado, inclusive com a já mencionada inserção de personagens (exceção feita à vizinha e ao jornalista) que quase sempre só servem para escancarar o teor do filme (ainda que sua narrativa muitas vezes diga o contrário).