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|Crítica| 'Better Man - A História de Robbie Williams' (2025) - Dir. Michael Gracey

|Crítica| 'Better Man - A História de Robbie Williams' (2025) - Dir. Michael Gracey

Crítica por Victor Russo.

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'Better Man - A História de Robbie Williams' / Diamond Films

 

Título Original: Better Man (UK)
Ano: 2025
Diretor: Michael Gracey
Elenco: Robbie Williams, Jonno Davies, Steve Pemberton, Alison Steadman, Kate Mulvany e Raechelle Banno.
Duração: 136 min.
Nota: 4,0/5,0

 

A estrutura tradicional se mantém, enquanto Better Man vai desconstruindo o espaço e o tempo a fim de não ser um retrato do cantor apenas, mas Robbie Williams em si

Há muito tempo as cinebiografias, sobretudo de pessoas famosas com base de fãs, mais ainda quando se trata de astros da música, transformaram-se (talvez sempre tenham sido) em uma mera homenagem, com estrutura pronta, seguindo do começo da vida até o fim (ou parando em um momento muito icônico, como o Live Aid, em Bohemian Rhapsody), passando por uma jornada de ascensão e queda e pulando de evento “relevante” em evento “relevante”, sem se aprofundar muito em nenhum deles e muito menos ir a fundo no personagem. Essa estrutura de Wikipédia, muito criticada por parte dos críticos, mantém-se por múltiplas conveniências: os fãs acostumados a se satisfazer por receber exatamente aquilo que já conhecem e esperam para se sentirem confortáveis, as famílias dos envolvidos (ou eles mesmos, quando vivos) fazendo parte da produção e forçando a mostrar apenas uma suposta realidade romantizada e distante de polêmicas (como um tributo de um Deus mesmo) e estúdios dando essas obras a diretores sem muita personalidade, que apenas seguirão a fórmula à risca, sem correr o risco de desagradar qualquer uma dessas partes. Essa mistura de covardia com despreocupação em fazer cinema é fruto dessa visão da cinebiografia como apenas um retrato daquela figura.

Por sorte, alguns casos fogem desse padrão, sobretudo com duas variantes. A primeira é um grande diretor autoral assumir esse projeto com paixão, caso, por exemplo, das muitas cinebiografias dirigidas por Martin Scorsese ou um Ultimos Dias, de Gus Van Sant. Quando isso acontece, transforma-se mais em um filme daquele cineasta do que um interesse pela representação da figura central (ainda que haja uma linha tênue entre um e o outro que se rompe constantemente, é só ver filmes como O Lobo de Wall Street e O Aviador). Mais raro é o segundo caso, os filmes que se voltam para a compreensão da estrela a ponto de não apenas retratá-la, mas de torná-la o filme em si, com escolhas narrativas que parecem ter saído exatamente da mente e da vida daquela pessoa, geralmente com diretores talentosos e dispostos a fugir do convencional, ainda que não sejam grandes autores relevantes, mas que passam por uma sustentação da figura central, libertada de todos os julgamentos e pronta para se abrir por completo frente aos seus fãs e a todos os demais espectadores. Better Man, assim como Rocketman cinco anos antes, e, entre eles, o documentário Moonage Daydream, representam esse segundo caso. Por coincidência (ou não), três figuras britânicas, sendo Elton John e Robbie Williams (ainda vivos, diferente de David Bowie) amigos.

Better Man e Rocketman não reinventam a roda, mas a moldam para uma nova maneira de girar diferente, mantendo essa estrutura de roteiro, inclusive alguns dos maiores clichês das cinebiografias de música, como o pai ausente ou abusivo, o produtor musical como grande vilão e a queda para as drogas, porém, dentro dessa lógica de eventos de toda uma vida, o roteiro não mais é o protagonista, mas a fluidez de como construir essa sucessão de acontecimentos a partir do que representa aquelas personalidades, quase como se John e Williams fossem transformados em linguagem cinematográfica. É aqui que os filmes se diferenciam, já que, apesar de algumas semelhanças, são cantores distintos com carreiras e músicas que não convergem tanto assim, ainda que ambos se utilizem de dois artifícios imprescindíveis para toda a liberdade que almejam: fantasia e musical. No primeiro, o mais chamativo inicialmente parece quase uma trapaça, que vem de antes do filme, quando, há poucos segundos da projeção começar, o diretor Michael Gracey e Robbie Williams aparecem sentados juntos, com este revelando que sempre se sentiu um estranho, como se fosse um macaco ao invés de ser humano. 

Muitos filmes se contentariam em gritar aos quatro cantos que são inovadores por essa simples mudança. Michael Gracey não se acomoda em cima desse elemento, pelo contrário, faz com que rapidamente esqueçamos não estar vendo o rosto do ator (Jonno Davies) por baixo da maquiagem digital, que conserva todas as expressões faciais necessárias à identificação do público. Ao mesmo tempo, tal artifício permite ao longa usar o próprio cantor dublando a sua voz, seja nas narrações em off ou nas canções. O diretor se mantém fiel à proposta o filme todo, passando longe daquele típico momento de revelação, ao qual muitos cairiam, para transformar a versão macaco em versão humana. Se Williams se sentiu assim a vida toda, que seja rígido com essa ideia até às últimas consequências, e é justamente como Gracey conduz.

Porém, o que torna Better Man realmente delicioso é como o cineasta se utiliza da montagem, dos efeitos visuais mais computadorizados e da fotografia para desconstruir espaços, criar números musicais fantasiosos pulando de um lugar e tempo para outro e retornando, ou filmando um longo plano-sequência extremamente bem coreografado ao longo de uma avenida, depois uma loja, para retornar com o protagonista dando o seu show em cima do ônibus. É um filme que tem uma mise en scéne rica e que compreende Williams, transformando essas rupturas espaço-temporais, quase sempre em um ritmo frenético, em uma representação viva do processo mental do protagonista, como se o compreendêssemos em cada um desses elementos fantasiosos, sonhos, alucinações, projeções e, às vezes, tudo isso junto. 

Ao mesmo tempo que Gracey encena os números musicais como a Hollywood clássica fazia, inclusive contando com muitos figurantes, ele também entende que quase tudo se resume à fama que o personagem sempre foi levado a buscar e que gerou sua completa ruína consigo mesmo. É essa necessidade de estar sempre encenando que o corrói e, para isso, a direção investe em uma encenação extremamente performática, de gestos contundentes e espalhafatosos, mais uma vez se perdendo na barreira do real e da ficção. O mais impressionante é como um filme tão nervoso, cheio de ritmo e muitos estímulos visuais, com uma montagem presente tanto pelo corte quanto pelos movimentos de câmera e reencenação, pode ter todos esses elementos tão organicamente compondo uma personalidade, o que, em algum sentido, até diminui as figuras secundárias, exceção feita ao pai (Steve Pemberton) e à avó (Alison Steadman), responsáveis pelas cenas mais emocionantes e representativas do longa. 

Tudo poderia ser resumido na sequência mais aguardada pelos fãs, o show da vida do cantor, mais uma vez Gracey surpreende mantendo-se fiel a aproximação com Williams, não filma o show, aproveita o espaço para criar um confronto definitivo dele com os próprios demônios, materializando tudo em uma espécie de A Guerra do Planeta dos Macacos. Mais do que as músicas para fãs, o filme é Robbie Williams em tela, inclusive sabendo encaixar essas aos momentos da vida do cantor.

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