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|Crítica| 'Mickey 17' (2025) - Dir. Bong Joon-ho

|Crítica| 'Mickey 17' (2025) - Dir. Bong Joon-ho

Crítica por Victor Russo.

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'Mickey 17' / Warner Bros. Pictures

 

Título Original: Mickey 17 (EUA)
Ano: 2025
Diretor: Bong Joon-ho
Elenco: Robert Pattinson, Naomi Ackie, Steven Yeun, Mark Ruffalo, Toni Collette e Anamaria Vartolomei.
Duração: 137 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Bong Joon-Ho retorna ao cinema hollywoodiano dando continuidade às características de suas obras anteriores no país e reforçando a ruptura de discurso audiovisual com Parasita e as demais obras coreanas

Mickey 17 chega como um dos mais aguardados filmes de 2025, por ser o primeiro longa de Bong Joon-Ho após as suas históricas vitórias da Palma de Ouro, em Cannes, e do Oscar, ambas por Parasita, mas também por ter Robert Pattinson como protagonista e marcar o retorno do cineasta coreano ao cinema de Hollywood depois de quase uma década. Ao mesmo tempo, a constante incerteza de lançamento e as várias mudanças de datas pela Warner Bros., assim como as exigências do estúdio por mudanças na resolução do longa, não atendidas pelo diretor, que tinha direitos totais à sua visão criativa (mais uma consequência do prêmio de Parasita nos Estados Unidos) e uma divulgação por parte de Joon-Ho de que mudaria elementos centrais da obra base, fazem com que o filme ganhe o mundo nesse misto de ansiedade e cautela. 

Na prática, tal expectativa se justifica com o apresentado em tela, uma espécie de continuação do que o cineasta fez em solo americano, um tanto distante do apresentado em suas produções coreanas, como os excelentes Parasita, Memórias de um Assassino e O Hospedeiro. Se o cinema coreano em geral, e o de Joon-Ho não é diferente, se parece ao americano, mas carrega em si um exagero bastante típico daquela cultura (se olharmos pela visão ocidental, é claro), bem característico dos personagens de Song Kang-Ho, quase sempre um alívio cômico na filmografia do diretor, mas que geralmente ainda se mantém em um lugar dramático-realista nessas obras que debatem opressão e luta de classes, quando Joon-Ho vai para Hollywood, tal exagero é exacerbado e, mais do que isso, se converte em uma afetação mais clara e estilizada, transformando sobretudo os vilões poderosos em caricaturas bastante ridículas, para serem motivos de risada fácil, o que ocorre tanto em Okja, quanto com os mais ricos em Expresso do Amanhã. Além disso, enquanto discutem classes sociais e o poder, o cineasta aproveita para falar sobre questões ambientais quando financiado pelo maior poluente da história, em cenários sempre distópicos, às vezes apocalípticos, às vezes mais próximos do hoje.

Se o filme de 2013 funciona bem pela dinâmica de fases a serem superadas no trem e o de 2017 pouco consegue se aprofundar cinematograficamente em suas críticas mais diretas aos maus tratos contra os animais, Mickey 17 fica no meio dos dois, mas compartilha um fator comum desse Joon-Ho versão Hollywood: a ânsia por falar de muitos temas que dificulta o desenvolvimento e, principalmente, o fechamento das obras. Inclusive, todos tendem a cair em uma resolução mais superficial típica desse cinema, enquanto seus filmes coreanos costumam se finalizar de maneira mais aberta, dúbia e provocativa, o que faz muito mais sentido com o retrato crítico do mundo por parte do cineasta.

O mais frustrante de Mickey 17 talvez seja o fato dele conseguir ser brilhante em diversos momentos, do prólogo que carrega a aceitação daquele trabalhador passivo explorado e descartado, gerando uma comédia pela repetição de suas mortes carregadas de uma dor macabra de o vermos sendo usado como um rato de laboratório, à capacidade do cineasta em lidar com essas figuras mais caricatas (principalmente Mark Ruffalo e Toni Collette) com um timing cômico ótimo, o trabalho fantástico de mixagem e edição de som para criar aquele ambiente restrito, as esquisitices desse futuro e também os sons dos animais nativos do planeta, e, acima de tudo, como Joon-Ho estabelece uma mise en scène e cria a blocagem (posicionamento dos atores no quadro) dessas cenas. A caótica cena do jantar, que até lembra os momentos visualmente mais violentos de Parasita, reúne todas essas características com excelência, começando pelo estranhamento, passando pela progressão da ação, até se finalizar com Mickey (Pattinson) como esse trabalhador explorado jogado no chão, uma animalização a partir do momento que é filmado e visto de cima para baixo por todos na sala, criando pela montagem um contraste entre a solidão dele no quadro e todos os demais espremidos no plano (uma trabalho sublime de blocagem) carregando uma posição de superioridade, contraste esse rompido por Kai (Anamaria Vartolomei), uma intermediação entre as duas realidades, a funcionária também explorada, mas vista com mais prestígio, que se coloca ao lado de Mickey e o conduz para fora.

Só que, se a ambientação é boa e Joon-Ho sabe rir com amargor e sátira dessa disputa de classes (vale ressaltar também o duplo Mickey 17/Mickey 18 e a ótima atuação de Pattinson para criar esses opostos por elementos muito simples, como o olhar), a partir do momento que a obra avança, a ambição de Joon-Ho por falar de tantos temas (levando sua sátira aos governos autoritários recentes e os associando aos genocídios de povos originários e também ao Nazismo de forma bastante direta, assim como as questões climáticas e os maus tratos aos animais) não se concretiza em desenvolvimento narrativo. Os personagens secundários, exceção um pouco feita à Nasha (Naomi Ackie), ficam estagnados, Kai desaparece e Ruffalo e Collette ficam presos sendo a mesma piada repetida. O filme, assim, se modifica sem realmente mudar e toda a conclusão feita às pressas parece uma grande forçação para um discurso mais positivo e irônico àqueles vilões. O brilhantismo de alguns momentos vira convencionalidade, gerando, pela própria obra, uma frustração típica dos filmes do cineasta em solo americano. Longe de ser ruim, mas distante também da sua personalidade nos longas coreanos. 

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