|Crítica| 'Pequenas Coisas Como Estas' (2025) - Dir. Tim Mielants
Crítica por Victor Russo.
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'Pequenas Coisas Como Estas' / O2 Play
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Tim Mielants se contenta e resume o seu filme a exibir Cillian Murphy (de novo) solitário, atormentado pelo passado e quieto
Muitos grandes atores, capazes de desempenharem diferentes papéis, são escalados constantemente para atuar da mesma forma, a partir de um mesmo objetivo fílmico. Cillian Murphy não resume sua carreira ao homem solitário e atormentado pelo passado, mas boa parte de suas obras, sobretudo as mais populares, como Peaky Blinders, Dunkirk e a que lhe rendeu mais prêmios, Oppenheimer, seguem essa linha, como se os cineastas esperassem dele justamente isso. Claro que há nuances para além dessa simplificação, o último filme de Christopher Nolan conta com um protagonista multifacetado e que permite ao ator fazer muitas coisas para além do se martirizar com as bombas atômicas que ajudou a construir. A mesma possibilidade não acontece em filmes menores em produção e com cineastas fechados em apenas uma ideia. Este é o caso de Pequenas Coisas Como Estas.
Não é dizer que Tim Mielants não tem nenhuma pretensão, ideia ou concepção artística, o longa comenta sobre casos reais, sobre práticas das igrejas e de conventos com garotas jovens, flerta com uma bela fotografia em chiaroscuro e com planos que deixam o protagonista solitário, seja pela escuridão em seu entorno, seja por ser visto a partir de portas e janelas. Não é um filme detestável, completamente pobre em imagem ou amador. Mielants tem noção o suficiente para compor planos, ainda que sua bonita fotografia rapidamente se torne apenas isso, bela, mas repetitiva e óbvia nas mensagens que tenta reforçar. Porém, o maior problema está justamente em como o longa lida com suas temáticas a partir de uma obsessão pela imagem de Murphy, sempre quieto e distante de todo o mundo que o cerca. O longa até flerta nesse sentido com os personagens oprimidos pelo sistema, típicos protagonistas pobres e marginalizados que o cinema irlandês e britânico concebem há tanto tempo, principalmente em uma vertente mais independente. Só que isso não é levado muito para frente, apesar de trabalhador, o protagonista tem uma família, uma boa relação com a esposa e com as filhas, sua vida anda de forma bastante comum durante boa parte da projeção.
Assim, resta a Mielants atormentar o seu personagem por explicitar o seu passado, mais uma vez caindo em um lugar meio óbvio, com ele sofrendo bullying em uma cena e perdendo a mãe logo em seguida, tudo isso encenado sem a mesma preocupação estilística do sombrio presente da narrativa. Mais do que isso, os flashbacks tentam não só resumir o afastamento emocional dele adulto, e, consequentemente, todas as escolhas da mise en scéne, como, principalmente, servem ao propósito do que virá a seguir, o senso de justiça que o personagem detém, como uma gratidão por ter sido acolhido por uma milionária quando perdeu sua mãe. É isso que interliga, já lá pela metade, a história dele com a de uma garota sendo maltratada em um convento, enquanto a madre superior local tenta suborná-lo e o filme busca pontuar como a religião/igreja sempre teve uma espécie de poder paralelo, como um estado à parte com suas próprias leis. Só que nada disso é realmente desenvolvido porque Mielants segue sempre mais interessado em exibir Murphy com cara de cachorro sem dono, nos fazendo ansiar por finalmente uma quebra da monotonia, uma resposta climática bem comum em filmes de homens “honrados” que salvam garotinhas em perigo. Mas nem isso vai para frente, até o momento de maior conflito é resolvido sem qualquer emoção, sem qualquer pretensão. O longa acaba assim como começou, em um marasmo absoluto e justificando qualquer coisa pela presença de Cillian Murphy no elenco, o que é até curioso, visto que grandes nomes do cinema britânico, como Emily Watson e Michelle Fairley são tratadas com descaso, quase como se não tivessem parte naquela história, resumidas a uma ou duas cenas, apesar do longa constantemente pontuar a importância das suas figuras para o todo.