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|Crítica| 'Um Completo Desconhecido' (2025) - Dir. James Mangold

|Crítica| 'Um Completo Desconhecido' (2025) - Dir. James Mangold

Crítica por Victor Russo.

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'Um Completo Desconhecido' / 20th Century Studios

 

Título Original: A Complete Unknown (EUA)
Ano: 2025
Diretor: James Mangold
Elenco: Timothée Chalamet, Edward Norton, Elle Fanning, Monica Barbaro e Boyd Holbrook.
Duração: 140 min.
Nota: 4,0/5,0

 

James Mangold se mantém fiel ao que acredita, desconstruindo a expectativa de uma cinebiografia para comunicar com classicismo pelas músicas

Poucos gêneros são tão saturados e replicados quanto a cinebiografia, quase sempre de homenagem e destacando momentos mais importantes da vida de um famoso. Quando se trata de um grande nome da música, isso tende a se acentuar ainda mais. Chega então o Oscar 2025 com duas obras carregando consigo o preconceito de um gênero sem criatividade e prazer por fazer cinema, mas, como são os bons filmes, Better Man e Um Completo Desconhecido, cada um ao seu modo e se adequando aos seus artistas e momentos históricos, dão uma bicuda nessa percepção quase protocolar de representar cantores e músicos e se revestem de um desejo de seus criadores. Se Better Man se apaixona pela fantasia e pelo musical, Um Completo Desconhecido se mantém fiel ao classicismo de seu diretor, muito comumente chamado (com razão) de sem personalidade, mas que carrega boas obras (e outras muito ruins) em seu currículo, e também a um prazer por compreender aquele universo quase exclusivamente por meio da música.

Um Completo Desconhecido é totalmente sobre acreditar, primeiro em como Mangold confia em seu elenco, dá liberdade para Timothee Chalamet, Monica Barbaro, Edward Norton, Boyd Holbrook etc criarem suas próprias versões das imponentes figuras reais, e, sobretudo, soltarem a voz a cada nova canção. O próprio diretor tem uma liberdade, um tanto incomum em sua carreira, e configura toda sua obra a partir do classicismo que é tão dominante em seu cinema. Apesar de algumas escolhas menos usuais em como filmar apresentações musicais ou iluminações artificiais para contornar o personagem na noite daquela cidade que ele acabara de chegar, o longa se resolve na escolha de planos, um decupar sem firulas, de planos e contra planos, raccords de olhar e muito pouco para além disso. Ao mesmo tempo que a linguagem quase sempre se mantém fiel ao cinema mais econômico de outrora, Mangold foge da cartilha da cinebiografia não só ao criar um recorte temporal de apenas quatro anos, mas, principalmente, ao rejeitar aquelas perspectivas de desenvolvimento de personagens e história mais quadradas. Muito pouco aqui é realmente modificado pela passagem de cena, o personagem mal tem um arco de progressão, ainda que não termine exatamente como começou, a história mesmo vai passando sem realmente avançar. Se o filme não fica estagnado é porque sua verdadeira personalidade está na crença maior de Mangold: a comunicação pela música.

Ainda que não seja um musical e até esbarre em alguns clichês do gênero, como o gênio incompreendido e o interesse romântico (Elle Fanning) que não pertence àquele mundo, sendo reduzido à mulher traída que se coloca para fora da equação, o cineasta envolve tudo em longas sequências com personagens se apresentando, seja em bares, em grandes shows ou em um hospital quase vazio. Bob Dylan podia não ser a pessoas mais carismática, bondosa ou energética do mundo (o que combina bem com a persona de Chalamet, quase sempre meio blasé), mas quando começava a tocar o violão, a guitarra ou a flauta, e levava suas letras para o mundo em forma de canção, ali existia o verdadeiro Dylan por trás da pessoa ou do artista. Igual a ele, Pete Seeger (Norton), Joan Baez (Barbaro) e Johnny Cash (Holbrook) também moviam suas vidas e crenças por meio dessa arte, às vezes gerando conflito, às vezes em uma harmonia indescritível.

Ao abdicar quase completamente do contar história e passar a comunicar pelas músicas, Mangold nos leva a um lugar sublime e crítico ao mesmo tempo. Promove-nos a seres capazes de viver aqueles momentos, quase desracionalizando por completo (o que acaba por ser impossível, já que são letras carregadas de mensagens e vivências). O interesse é compreender como cinema e música juntos nos trazem para um lugar prazeroso do sentir, do se deixar envolver. Mais uma vez a escolha de planos guia tudo, dos shows mais íntimos, filmados de perto com Dylan e Joan quase tocando os rostos enquanto cantam, aos mais amplos, como a do clímax do filme, em que a música de Dylan gera efeitos imediatos, e, por isso, o público é convidado a ser retratado pela decupagem pela primeira vez, assim como Cash, Joan, o produtor musical e todo o comitê do festival. Dylan defende sua música, assim como Timothee defende sua versão do personagem. Cabe a Mangold, com simplicidade, saber onde posicionar a câmera para extrair cada momento, sentimento e dizer, o astro chega sendo filmado de frente, ainda desconhecido, passa a ser visto de costas (como ele age em relação ao que se acreditar ser o folk puro) e vai embora ao final em sua moto, deixando a marca naquele mundo para sempre. 

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