|Colunas| Coluna Coágulo #004 - Por Tati Regis: 'Quando o Descanso Termina e o Medo Começa'
Tati Regis escreve mensalmente sobre o cinema de horror na coluna Coágulo.
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Quando o Descanso Termina e o Medo Começa
Por: Tati Regis
Nada como a expectativa de uma fuga da rotina, descanso, renovação física e mental. Aquele momento em que deixamos para trás todo o caos do cotidiano e as preocupações. Malas no carro, mochila nas costas, uma casa afastada, o som das árvores ao vento, aventuras ou, até mesmo, o simples prazer de não fazer nada e ficar o dia todo torrando no sol na beira da piscina ou numa praia. Quando saímos de férias, a última coisa que pensamos ou queremos é viver uma história pavorosa e traumática. Olha, os personagens dos filmes também pensam assim, mas, no cinema de terror, essa promessa de paz e felicidade é rapidamente substituída pelo som de passos desconhecidos e gritos ecoando no vazio. Filmes como Sexta-feira 13 (1980), Acampamento Sinistro (1983), Tubarão (1975) ou O Iluminado (1980) nos mostram que a pausa pode ser tudo, menos tranquila.
As férias, em sua essência, simbolizam um tempo no ritmo frenético da vida cotidiana. Elas prometem reconexão, liberdade e, acima de tudo, segurança em um ambiente cuidadosamente escolhido para oferecer conforto ou aventura controlada. No entanto, como lembra Noël Carroll em A Filosofia do Horror (1990), o horror depende de uma violação do que é esperado, prosperando na ruptura entre o que deveria ser normal e o que se torna extraordinariamente ameaçador. No universo do terror, essas expectativas são meticulosamente destruídas, revelando o lado sombrio dessa "zona de conforto temporária". Cenários que começam como refúgios acolhedores, como chalés remotos, hotéis vazios, praias tranquilas ou florestas distantes, transformam-se rapidamente em armadilhas, onde o isolamento e a ausência de regras sociais expõem os personagens ao desconhecido. Esse contraste entre a promessa de tranquilidade e a vulnerabilidade iminente cria o terreno perfeito para o caos e o medo, onde a segurança planejada se dissolve, dando lugar ao inesperado e ao aterrador.
Um exemplo icônico é o filme O Iluminado (1980). A ideia de passar o inverno em um hotel isolado deveria ser uma oportunidade de introspecção e reconexão para a família Torrance. Entretanto, o isolamento, combinado com forças sobrenaturais e as próprias fragilidades emocionais dos personagens, converte a estadia em um pesadelo opressor. A vastidão vazia do Overlook, longe de ser libertadora, se torna claustrofóbica e mortal. Da mesma forma, em Acampamento Sinistro (1983) e Sexta-Feira 13 (1980), jovens que buscam uma pausa na rotina se deparam com brutalidade e violência em cenários aparentemente encantadores de acampamentos de verão. O que deveria ser um refúgio para diversão, romances e novas amizades se transforma em um território hostil, onde segredos sombrios e a matança imperam. Ambas as obras subvertem a ideia do acampamento de verão como um local de liberdade juvenil, reforçando o tropo do terror de que, longe da civilização, as regras do mundo moderno não se aplicam, explorando ao extremo a vulnerabilidade humana em ambientes que prometem tranquilidade e interação.
Filmes que transformam as férias em pesadelos compartilham a habilidade de explorar o contraste entre o descanso esperado e a vulnerabilidade inesperada. Longe do lar seguro, os personagens se veem expostos a ameaças externas e aos próprios medos internos. Esse estado de desconexão, essencial para recarregar as energias, torna-se o ponto de entrada perfeito para o horror, ao subverter o conforto planejado e revelar a fragilidade humana. O terror, aqui, não se limita à violência explícita, mas ao desconforto de encarar a perda de controle em um cenário que deveria oferecer tranquilidade.
Carol J. Clover, em seu livro Men, Women, and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film (1992), sugere que os espaços remotos frequentemente encontrados no terror não são apenas cenários, mas agentes narrativos que intensificam o isolamento e o medo. Esses ambientes, como florestas densas, hotéis isolados e vilarejos remotos, não apenas criam uma barreira física em relação ao mundo cotidiano, mas também simbolizam um afastamento psicológico que prepara tanto os personagens quanto os espectadores para enfrentar o irracional. Clover destaca também como esses locais afastados reforçam a fragilidade das vítimas, principalmente em relação a personagens femininas, funcionando como catalisadores para o caos e criando as condições ideais para que o terror atinja sua máxima potência narrativa.
Por exemplo, no clássico O Homem de Palha (1973), a viagem de um policial a uma ilha remota para investigar um desaparecimento transforma o local em um microcosmo de estranheza e perigo. As “férias”, aqui representadas pelo deslocamento do protagonista, expõem uma cultura local que contradiz e desafia seu senso de normalidade. O isolamento geográfico funciona como uma metáfora para a alienação emocional e o distanciamento da razão, culminando em um desfecho brutal. De maneira semelhante, em Abismo do Medo (2005), um grupo de amigas embarca em uma aventura nas profundezas de uma caverna isolada, buscando diversão e superação pessoal. No entanto, o ambiente claustrofóbico e inexplorado não apenas amplifica a vulnerabilidade física delas, mas também simboliza o enfrentamento de medos internos e conflitos. Assim como no filme de 1973, o isolamento geográfico se torna um catalisador para o horror, desestruturando as personagens e intensificando a ameaça externa até o limite psicológico e físico.
Um exemplo relativamente mais recente é Isolamento Mortal (2022), onde duas amigas decidem passar as férias em uma casa isolada, sem saber que se tornarão alvo de uma perseguição violenta. O cenário, inicialmente concebido como um local seguro para descanso durante a pandemia, se transforma em um campo de caça, expondo não apenas a vulnerabilidade física das personagens à doença, mas também as colocando frente a frente com um assassino. Assim como nos outros filmes mencionados, o ambiente de férias aqui não traz à tona apenas ameaças externas, mas também a sensação de descontrole e a revelação de fragilidades pessoais.
Ao final, os filmes de terror que abordam as férias vão além do simples entretenimento: eles servem como um lembrete de que, até nos momentos projetados para relaxar e desconectar, o inesperado pode surgir, desafiando nossas noções de segurança e controle. Como um rito de passagem invertido, essas narrativas nos confrontam com nossos medos mais profundos e nos deixam com uma pergunta incômoda: será que, ao fugir da nossa rotina, estamos realmente prontos para o que podemos encontrar?