|Crítica| 'Kasa Branca' (2025) - Dir. Luciano Vidigal
Crítica por Victor Russo.
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'Kasa Branca' / Vitrine Filmes
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Luciano Vidigal olha com doçura para os personagens envoltos por aquela cidade, em um filme que é sobre nada e sobre tudo ao mesmo tempo
Muitos dos melhores filmes são aqueles que parecem ser sobre nada, mas que comunicam muito. O cinema brasileiro com uma estética própria, não aquele que importa moldes dos Estados Unidos e da Europa, quase sempre se situa nesse lugar, de perceber os personagens no espaço, o reflexo de uma vida cotidiana exposta em tela, com corpos e cenários reais, problemas que estamos acostumados a vivenciar, é o cinema como uma maneira de representar a nossa realidade, a nossa cultura. Ou melhor, as nossas culturas, já que dentro dessa lógica, cada região e estado do país se adapta para suas particularidades, inclusive, reconhecendo as diversas realidades impostas por uma país tão desigual.
Dizer que Kasa Branca é “sobre nada” é obviamente um exagero, mas de forma nenhuma é um demérito, muito pelo contrário, é o lugar em que mora a verdadeira particularidade do filme. O cinema sobre o real, de vivências e pessoas que são ou parecem de verdade, raramente se aproxima daquela lógica hollywoodiana de se contar história, de trama bem amarrada, com causa e consequência para movê-la, eliminando qualquer elemento ou cena “desnecessária” para compreendê-la. Nada contra esse cinema, porém ele raramente se encontra no dia a dia do nosso país, ou mesmo na nossa estética plural. Não é dizer que Vidigal abandona completamente tais artifícios, sobretudo a ideia de ação e reação se faz bastante presente, como Adrianin (Diego Francisco) ficando sozinho após trair Talita (Gi Fernandes) ou a rejeição de Dé (Big Jaum) ao pai (Babu Santana) após este o abandonar completamente e depois fingir que nada aconteceu. Entretanto, a trama em si apenas serve para dar uma sensação de que a narrativa está andando (e ela realmente está em algum nível), mas o principal interesse de Vidigal é justamente o retrato daquelas pessoas, naquela comunidade específica. E aqui a palavra “comunidade” não serve apenas como a típica suavização para favela, ela é a representação máxima dessa desconstrução desse espaço urbano, bastante presente em filmes sobre o Rio de Janeiro, como é o caso deste, não mais visto pela fetichização da violência e do crime, mas seguindo as pessoas comuns batalhando para sobreviver e precisando se unir para seguir existindo, e, por que não, encontrando diversão e saciando ou não vontades no processo.
Vidigal desloca a ideia de trama para o sentimento com o momento, tudo depende dessas relações e da banalidade do acaso, o cuidar da avó, se envolver com uma ou mais pessoas para amá-las ou apenas por tesão, o se desdobrar para ajudar o amigo que precisa, seja cometendo atos ilícitos, mas pouco prejudiciais, como roubar remédios em uma farmácia, ou carregar a mulher (Teca Pereira) no fim de sua vida para viver um momento silencioso, observar aquela cidade gigantesca que se apresenta diante daquele pequeno bairro, uma forma de ver aquele mundo que transpira em vida, ao mesmo tempo que não é permitido a esses personagens tocá-lo. Talvez seja a cena que melhor represente essa construção cênica de tempo, personagens e espaço. No fim, se o longa é menos por uma trama em constante movimento, ele é sim um tanto sobre o movimento desses corpos, que se deslocam sem conseguir realmente sair do lugar. O trem corre pelo trilho e passa por eles sem levá-los. Resta o permanecer ali, naquele lugar de segurança e conhecimento, ao lado das pessoas que ama e sempre servirão de suporte para o que precisar, algo constantemente reforçado pela encenação de Vidigal, posicionando sempre esses amigos juntos no plano, quase como se fossem partes de uma coisa só. Mesmo L7 (vivendo uma versão dele mesmo), que conseguiu prosperar com a música e ganhar dinheiro, faz questão de retornar ao Chatuba para reencontrar um sentimento e tantas pessoas que não consegue viver sem.