|Crítica| 'Sol de Inverno' (2025) - Dir. Hiroshi Okuyama
Crítica por Victor Russo.
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'Sol de Inverno' / Michiko Filmes
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A doçura dos personagens ganha beleza com o movimento dos corpos na luz e um sentimento agridoce com a aceitação de uma vida de mudanças inevitáveis
Sol de Inverno, exibido no Festival de Cannes 2024, na Mostra Um Certo Olhar, e dirigido por Hiroshi Okuyama, tem a cara de filme pessoal, de conflitos internos, uma percepção de memória agridoce e a escolha típica do espaço dramático a partir de uma cidade pequena, afastada das grandes metrópoles. É um filme doce no seu trato com os personagens, que parece nos abraçar junto com eles, mesmo que constantemente as ações não sejam assim tão prazerosas se analisadas friamente. É a colega de equipe que abandona o amigo e o técnico por preconceito (dá para chamar assim vindo de alguém tão jovem e influenciada?), o professor acusado de pedofilia ao ser revelado que é homossexual (algo que o filme parece esconder conscientemente, não tanto por vergonha, mas mais por fazer da revelação uma grande virada), além dos elementos típicos com personagens colegiais excluídos, como o bullying (que rapidamente deixa de ser uma questão) ou mesmo a pressão dos adultos frente a dificuldade de se sustentar economicamente.
A neve cai, o beisebol é abandonado e se cria uma clara delimitação conservadora entre o esporte para meninos (hockey) e para meninas (patinação no gelo). Takuya (Keitatsu Koshiyama) vem para romper essa imposição, após demonstrar inabilidade e se machucar sendo bombardeado por discos, vê em Sakura (belo trabalho da estreante Nakanishi Kiara) uma idealização, que instiga a motivação do professor Arakawa (Sosuke Ikematsu), talvez por ver no menino um reflexo de si mesmo e o que viveu (mais uma vez a memória sendo resgatada). Essa dinâmica que se estabelece entre os três, a partir do olhar corpos em movimentos com uma bela fotografia, que usa vidros como filtros e luzes naturais como a criação de cores sublimes, sobretudo laranja e azul, ainda que em uma imagem oprimida pela razão de aspecto 4:3, afasta os clichês dos filmes adolescentes rapidamente, e percebe na felicidade desses corpos, mais do que dos rostos, a base para esse carinho que domina o longa. Talvez a ausência de um ponto de vista dominante dificulte a caminhada da narrativa, já que nenhum dos três direciona o olhar para o próximo evento, mas também não parece um ponto de vista externo de vermos aquelas ações se desenvolvendo. Por isso, os corpos ganham ainda mais destaque frente àquelas luzes, naquela estação específica da cidade.
Como a neve que derrete e traz de volta o beisebol, esquecendo por uns 9 meses os esportes de gelo, Sol de Inverno parece realmente interessado não em resolver conflitos, mas em aceitá-los. Se a estação muda e nada os personagens podem fazer, o mesmo se revela a partir dos problemas que surgem diante deles. O professor é acusado de coisas horríveis, que nós como espectadores percebemos não ser verdade e esperamos que ele se defenda, mas acontece o oposto, ele abre mão do que dedica sua vida e vai embora sem um grande momento de pesar. Takuya perde o esporte que parecia ser sua razão de viver, aquilo que finalmente lhe dava felicidade e no que poderia ser bom, tudo pelas ações no mínimo egoístas de Sakura, e também parece seguir em frente como se não fosse algo tão grandioso assim em sua vida. A própria Sakura, que assume um papel de vilã, apesar de entendermos o contexto, o espaço e a sua idade, não passa por qualquer vilanização ou punição ao final. Tudo vive dentro de uma ideia de conformismo, não só da percepção de que, como as estações do ano, muita coisa não pode ser mudada, mas da simples aceitação e do seguir vivendo cada frustração como se fosse algo normal da vida. Ao final, o filme cria conflitos, mas vai estimular justamente a não-ação, reforçando mais uma vez esse sentimento de memória agridoce com tom pessoal da direção e do roteiro.