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|Crítica| 'Jurado Nº 2' (2024) - Dir. Clint Eastwood

|Crítica| 'Jurado Nº 2' (2024) - Dir. Clint Eastwood

Crítica por Victor Russo.

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'Jurado Nº 2' / Warner Bros.

 

Título Original: Juror #2 (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Clint Eastwood
Elenco: Nicholas Hoult, Toni Collette, Chris Messina, Zoey Deutch, J.K. Simmons e Kiefer Sutherland.
Duração: 114 min.
Nota: 5,0/5,0
 

O homem comum perde o heroísmo de seus longas anteriores e é posto em conflito junto a um sistema em crise na busca por respostas corretas

Logo nos primeiros minutos, Jurado Nº 2 mira em 12 Homens e Uma Sentença, um caminho natural para um cineasta que não só já declarou ter em Sidney Lumet uma de suas inspirações, como também tem em seu estilo o classicismo típico deste e outros diretores. Só que, se Clint Eastwood retorna em Lumet não é para refazê-lo, mas para perceber as duradouras contradições de um sistema que não se modifica e trazê-las para a contemporaneidade. O mais curioso é que o personagem de Henry Fonda no filme de 1957 em muito lembra os protagonistas recentes de Clint, pessoas comuns com um forte senso de justiça e compaixão pelo próximo, a ponto de se tornarem heróis inesperados, algo extremado no fraco 15:17 Trem Para Paris, quando as pessoas reais vivem seus eus cinematográficos, mas melhor representado em obras como Sully e Richard Jewell. É justamente esse histórico recente que nos faz imediatamente ver em Justin Kemp (interpretado com deliciosa contradição interna pelo ótimo Nicholas Hoult) alguém disposto a fazer o certo, em negar sua presença ao lado da esposa grávida para dar ao réu um julgamento justo. É o único que se importa em fazer o certo e abandonar os preconceitos e falsas verdades de uma investigação que nada fez além de sustentar um caso contra quem já queria que fosse o culpado. Só que Hoult não é Fonda, assim como Jurado Nº 2 não é uma releitura de 12 Homens e Uma Sentença. O sistema é o mesmo, mas Clint vê hoje em dia contradições ainda maiores.

Se Lumet se mantém preso àquela sala a fim não de dar respostas, mas de simplesmente buscar a essência de como aquele sistema judicial deveria funcionar, com justiça até quando se há incerteza, Clint se permite ir além, criar compaixão por Justin desde a dedicação inicial por sua esposa Allison (Zoey Deutch), que depois entendemos quase como um pedido de desculpas antecipado por sua futura ausência, e, principalmente, pela aproximação que cria com o conflito interno do personagem, filmando sempre com a economia e classicismo de sempre, mas extraindo muita força dos closes desse homem que sofre calado perante a pessoas que pouco mudam a sua expressão. Até o flashback se anuncia, mas quando se revela não é mais Clint mostrando o que acontece, e, sim, as memórias do personagem. Qual é a verdade? Seria ele mesmo o culpado ou suas lembranças são meras projeções estimuladas pela proximidade do caso? Se Lumet não mostra nada, Clint mostra mais do que o fato, extrai o conflito e a culpa de seu homem comum que pode ter deixado de ser herói para ser vilão. 

A partir daí se cria um jogo de contradições, a descrença típica de Clint pelas instituições vira uma resposta a uma sociedade que encontrou nas redes sociais um espaço ainda mais massificado de punitivismo coletivo e moralismo contraditório. Um mundo que vive de uma busca pela “verdade”, por simplificar respostas, clamar por justiça por seus pares. O estímulo cada vez maior a um cinema que não apresente contradições, mas seja educativo e apresente o “certo”. Apesar de muito ser criticado por ser abertamente republicano e, sobretudo, por apoiar Donald Trump em sua primeira candidatura (algo que se recusou a fazer nas duas seguintes), o cinema de Clint passa longe de ser meramente conservador ou reacionário. São filmes sempre interessados em embates morais, focalizando no homem vivendo na “América” e em como o estado e as instituições corrompem a sociedade. Até as figuras mais moralmente questionáveis do seu cinema são dignas de compaixão e entendimento. É o bandido que se afeiçoa pelo garoto em Um Mundo Perfeito, o cowboy que carrega muitas mortes e defende as garotas marginalizadas em Os Imperdoáveis, o sniper que tira a vida de inocentes e não consegue lidar com o fardo da obrigação imposta por esse estado que só deseja ver guerra em Sniper Americano, ou o velho ranzinza conservador que tem no garoto filho de imigrantes uma bonita relação e companhia em Gran Torino.

Os exemplos são muitos e a culpa é quase sempre das instituições, não dos indivíduos. Por isso, em uma fase da carreira que busca pelo herói do cotidiano, as figuras de Justin e Faith (vivida pela sempre fantástica Toni Colette) são tão potentes dentro de sua filmografia. Se ele representa esse homem comum, ela seria a personalização do punitivismo do estado, alguém que manda uma pessoa para a cadeia a partir de suas próprias convicções e ganha uma promoção com isso. Os papéis bem definidos no início quase se invertem por completo, e Jurado Nº 2 se permite ir além das lembranças nebulosas de um pai em sofrimento que pode ter cometido um crime por acidente, dá à promotora o seu papel de investigação, permitindo ao público perceber esse ser humano que serve ao estado e pode ter um senso de justiça. O simples plano e contraplano ao final revela toda essa contradição, esse jogo de certo e errado super volátil, quem é realmente bom? Deve-se punir um pai de família que apenas estava no lugar errado na hora errada e jamais teria a intenção de cometer um crime? E libertar um inocente por esse crime, mas que pode ter cometido tantos outros antes? Alguém merece ser punido por quem foi? Realmente há essa mudança? Jurado Nº 2 se desprende rapidamente de 12 Homens e uma Sentença, mas, ao final, percebe-se satisfeito nessa falta de respostas e estimula o espectador a continuar essas perguntas.

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