|Crítica| 'Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra' (2024) - Dir. Pat Boonnitipat
Crítica por Raissa Ferreira.
'Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra' / Paris Filmes
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Gabaritando o melodrama, Pat Boonnitipat explora os clichês e a sensibilidade de um vínculo familiar universal e suas rupturas através do tempo
O cartaz afetuoso e o título brasileiro de Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra podem enganar um pouco. Não que o filme de Pat Boonnitipat não seja, de fato, uma história bem amorosa e familiar, mas por conta da motivação financeira que inicia o vínculo entre o neto M (Putthipong Assaratanakul) e sua avó (Usha Seamkhum) nessa fase específica de suas vidas. A primeira indicação de que o milhão é necessário para comprar o lote em que Amah será enterrada, serve como um MacGuffin inevitável, embora M não passe toda a narrativa em busca do dinheiro para essa finalidade, é o que acaba acontecendo de qualquer forma. O afeto é construído no desenrolar, mas o que motiva o neto a se envolver com a avó é uma ganância nada bem intencionada. Um longa tailandês extremamente popular, próximo ao que conhecemos aqui no Brasil como “filme da sessão da tarde”, Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra faz proveito de uma observação do momento presente em relação ao capital, que se mistura a tradições familiares muito próprias de sua origem. A jovem que inspira o quase golpe de M ganha a vida com sua conta no OnlyFans e se aproximando de parentes idosos doentes para conquistar suas heranças. O neto em questão é um jovem que vive jogando online e transmitindo suas partidas, sem muita perspectiva de futuro, sempre de olho nessas oportunidades mais fáceis de ganhar dinheiro e se valendo do meio digital como intermediário. Ao redor deles, abismos de classes sociais. A família protagonista é composta pela mãe de M, uma trabalhadora, o tio cheio de dívidas e problemas, e o outro com melhores condições financeiras, com uma casa distante e totalmente diferente da do restante, muito mais moderna e americanizada, assim como o inglês que é presente na criação e educação de sua filha. Amah já vive em uma condição mais próxima a uma simplicidade interiorana, com árvores na porta da casa, amizade com os vizinhos e uma ocupação vendendo produtos em sua banquinha. Existe todo um panorama cultural, de idiomas, tradições, legados e crenças que parece se perder entre a avó e M, e que também não é dado didaticamente à pessoa espectadora, se encaixam naturalmente na narrativa mesmo que não possam ser totalmente compreendidos sem algum conhecimento prévio.
No entanto, a forma de fazer cinema, do melodrama bem marcado e a estrutura narrativa, pega uma receita estadunidense da obra água com açúcar. Ao mesmo tempo em que essa influência faz parte do que é um mérito do filme, ser facilmente comunicável com um grande público mundial, e, com isso, levar fragmentos de uma identidade tailandesa, é também um fator limitador que, em alguns momentos, não o permite ir muito além de seu sentimentalismo basal. Facilmente emociona ver uma avó morrer de câncer bem quando seu neto finalmente resolve a conhecer verdadeiramente, largar o celular e dispositivos digitais para abraçar essa relação íntima em toda sua simplicidade. Esse resgate da infância é muito forte e universal, visto que no mundo todo as famílias enxergam a figura da avó com grande importância na formação das gerações seguintes, e são ligações afetivas muito intensas que grande parte das pessoas levam consigo. No entanto, em alguma medida, parece que Pat Boonnitipat entende tanto essa facilidade que, embora seu filme seja muito bem pensado a partir do apelo emocional, não vê necessidade de se desafiar além, pois o que já tem em mãos é suficiente para uma obra bastante popular, bem feita e que vai tocar corações. Não é dizer que Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra não é bom por se apoiar no sentimentalismo, já que muitos longas fazem isso e não saem do lugar, a execução aqui é satisfatória, e, justamente por isso, há potencial de cruzar a linha do básico aqui ofertado. O resultado é um coming of age, em que M se conhece e se descobre a partir do contato com Amah, cheio de bons valores e uma moral positiva, guiado por um gabarito do melodrama.
Ainda assim, há algo de muito bonito na simplicidade que se dá, principalmente pelo ótimo trabalho de Usha Seamkhum, bem mais cativante do que o neto, que evoca uma relação construída no passado e perdida pelo tempo. Os frutos guardados com carinho por anos, por pedido de M ainda criança, a caminhada juntos, a poupança que não era secreta, só foi esquecida. Esses detalhes que não são aproveitados constantemente, mas que vem com muita potência quando aparecem, são o forte de Como Ganhar Milhões Antes Que a Avó Morra, a costura desse laço que revela como uma família nasce e se estrutura através do tempo e um lugar de afeto que não precisava ser conquistado, pois já pertencia a M. É como se nesses pedaços do filme morassem o verdadeiro coração, que não depende de uma trilha sonora que se eleva ou de um plano que se aproxima, é uma emoção mais genuína ligada justamente a algo familiar, a noção de amor, vida e morte, praticamente infantil, mas do tempo que passa com olhos muito adultos, aqueles que vão recordando fragmentos nostálgicos em busca de sua própria história, compreendendo a finitude.