|Crítica| 'Sebastian' (2024) - Dir. Mikko Mäkelä
Crítica por Raissa Ferreira.
'Sebastian' / Imovision
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Mais comum e menos sensual do que pensa ser, filme de Mikko Mäkelä carrega potencial na partida, mas não chega muito longe com suas ideias
De certa forma, é até bem direta a forma como Mikko Mäkelä insere o dilema sexual e pessoal que seu protagonista vive. O personagem de Ruaridh Mollica já é diretamente apresentado como um jovem, ao lado de um homem mais velho - a dinâmica constante que Sebastian vive em sua persona de garoto de programa -, tão disposto a seduzir seu cliente e o dar prazer, quando está diante do homem, quanto inseguro e apreensivo a partir do momento que se vê sozinho. O jornalista que quer ser escritor é justamente essa dualidade, a figura que vende o corpo na internet em fotos que demonstram sua idade e escondem seu rosto, que assume o controle no sexo com seus clientes mais velhos, geralmente muito mais velhos, mas carrega uma inocência provocativa, e a postura profissional que trabalha na área de literatura, reconhecido por seus contos, e misterioso na vida pessoal. É quase como se houvesse essa terceira pessoa faltando, um buraco de personalidade que poderia unir Max e Sebastian para finalmente o tornar alguém completo e entregue a suas vontades, aspirações, desejos e motivações, em todos os campos da vida. Dessa forma, a casa em que mora é vista apenas pela entrada e por seu quarto, os barulhos das outras pessoas que ali vivem só indicam uma vida íntima jamais acessada pelo filme, da qual o próprio protagonista se esquiva. Os telefonemas da mãe são constantemente rejeitados no celular, sem que fique claro o que causa esse distanciamento. Portanto, a ideia de Max de criar Sebastian para vivenciar as experiências que pretende escrever no campo ficcional se afastam de uma abordagem que pensa a relação autor e obra, ou ficção e realidade, para construírem uma narrativa muito mais focada em uma investigação da personalidade desse homem queer em descoberta de seu próprio eu. Isso se torna mais claro conforme o longa vai abandonando o interesse na criação da obra escrita para adentrar um olhar mais romântico acerca das relações pessoais de Max e como suas experiências afastam ou aproximam suas duas personalidades. É nesse processo que um caminho mais interessante e possivelmente mais sólido da obra se perde para manter-se em algo superficial e comum, não se arriscando nem ao menos nas próprias provocações que seu texto levanta.
Max é dado como um jovem em construção, que com 25 anos acredita estar atrasado em seu sucesso profissional, mas ainda entende sua imaturidade em experiências mais práticas da vida. Assim, muito do que é dito é levantado ao seu redor por terceiros, comentários sobre um puritanismo na literatura e sociedade, sexualidade, a importância de uma representatividade em seu campo profissional, vulgaridade e moralidade, são escutados ou relacionados entre um diálogo e outras cenas que seguem, mas nunca por um processo pensativo de Max. Ele segue com seu rosto neutro, evocando o mistério que é tão caro a Mäkelä para que seu protagonista nunca seja completamente compreendido, já que o mesmo também é incapaz, pelo menos ainda, de chegar à mesma conclusão. Mas, o que ocorre é que, se é levantado algo sobre puritanismo e moralidade, as cenas de sexo de Sebastian são tão inofensivas quanto a maioria do que tem sido produzido atualmente. A frequência é, de fato, destacada, o jovem trabalha com seu corpo e por isso é constantemente retratado em relações sexuais, mas, quase sempre, em movimentos pouco sensuais e vistos da cintura pra cima. As cenas, assim como o que o texto sugere, praticamente desenham um tesão que não é capaz de ser transmitido, seja por uma encenação travada, uma fotografia sem vida ou corpos que soam protocolares, sem pulso e energia.
Em dado momento, Max conversa sobre seu livro e assume que seu personagem seria um clichê queer, talvez seja Mäkelä chegando à mesma conclusão com seu Sebastian, mas o fato é que os caminhos iniciais, sua premissa e ideia, parecem ter muito mais potencial do que o desfecho que vai se traçando, justamente nesse lugar comum. É curioso como um escritor é incapaz de escrever uma história que não tenha ele mesmo vivido e, por isso, se torna obcecado por uma vida dupla que está sempre em uma margem duvidosa. Será que Max segue sua carreira como Sebastian pelo prazer sexual ou pessoal, ou seria apenas seu interesse em captar histórias para sua ficção farseada? A dissolução da dualidade resultaria em uma mescla de Max e Sebastian ou anularia completamente um dos dois? É intrigante pensar a personalidade desse escritor e profissional do sexo a partir de sua própria descoberta fragmentada no processo criativo enquanto autor, porém, Sebastian rompe com essa proposta que poderia ser seu diferencial além do clichê para simplesmente observar a comum, sem profundidade ou muita graça, jornada do jovem em autoconhecimento. O protagonista que normalmente comandava as relações sexuais em que era pago para atuar, se vê vulnerável quando a chave da narrativa o joga em uma sequência de derrapadas e, assim, sua posição muda. Curiosamente é nesse lugar passivo, literalmente, que Max parece começar a se enxergar fora do personagem e a assumir sua posição na história que conta.
A essa altura, o distanciamento que quer manter Max/Sebastian nesse lugar tão misterioso, prejudica a aproximação mais íntima que o longa vai tomando, assim como as moralidades que são aparentemente criticadas não somente ficam longe de serem combatidas, seja por imagem ou discurso, como até acabam sem querer um tanto reforçadas. Há mais potencial que Mäkelä não consegue aproveitar em Sebastian, ou concluir, do que feitos satisfatórios.