|Crítica| 'Wicked' (2024) - Dir. Jon M. Chu
Crítica por Victor Russo.
'Wicked' / Universal Pictures
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A fantasia proposta por Jon Chu nos cenários, cores e coreografias esbarram em um sistema de produção que tira a vida da imagem e torna os espaços artificiais
Depois de fracassos recentes de adaptações da Universal de musicais famosos da Broadway, sendo Cats o mais expressivo deles, Wicked - Parte 1 vinha com grande desconfiança, reforçada pelo trailer que mal consegue vender o filme. Entretanto, nas mãos de um capaz diretor de estúdio que é Jon Chu, dos competentes Podres de Rico e Em Um Bairro de Nova York (mais um musical adaptado dos palcos para as telas, mas que não ganhou as telonas no Brasil e foi direto para o Max por conta da pandemia), o longa protagonizado por Cynthia Erivo, e com a coadjuvante de milhões Ariana Grande, é o tipo de filme que joga no seguro dentro da indústria, apesar de suas quase 3h que podem afastar alguns espectadores. Em muito lembra algumas adaptações de animações da Disney para live action (até visualmente falando), como Aladdin e A Bela e a Fera, inclusive muito provavelmente terá uma repercussão parecida, mista entre a crítica, sendo mais favorável entre os críticos americanos, e muito elogiada pelo grande público fã da obra base, com a diferença de que não cairá no esquecimento tão rapidamente porque ainda tem uma parte 2 por vir.
Assim, Chu tem consciência dos elementos mais básicos e de como trabalhá-los para o mainstream, do discurso antifascista bastante didático, mas eficiente, a uma construção de personagens que parte do estereótipo da patricinha mimada e da marginalizada, até uma harmonia meio idealizada que parece esquecer tudo que a protagonista Elphaba teve de viver até ali, a partir de uma jornada do escolhido que ao invés de alcançar o seu objetivo vai se desiludindo com o sistema ao conhecê-lo por dentro e, ao rejeitá-lo, é tratada como vilã de imediato, deixando a continuação desse desenvolvimento para a segunda parte. Além disso, todos os demais personagens vão passar por essas bases já bastante estabelecidas na narrativa clássica e replicadas ou levemente modificadas no cinema: a mentora que não é quem parece, o príncipe encantado superficial que é o único a compreender Elphie, os amigos de Glinda (Ariana Grande) como os típicos amigos fúteis da patricinha colegial e assim por diante. Chu investe então em se manter nesse lugar conhecido e financeiramente bem-sucedido, com o véu do conto de fadas e toda a combinação típica entre comédia, melodrama e fantasia musical que esses filmes carregam, inclusive, pesando a mão na repetição das mesmas piadas envolvendo Glinda, sabendo como esse riso fácil tem sido a base do blockbuster dos últimos muitos anos, sendo um dos pilares da chamada fórmula Marvel, inclusive.
Dessa forma, ao saber da simplicidade da história e dos personagens, e rejeitando tornar seu discurso antifascista mais complexo (o que nem combinaria com o restante), Chu investe tudo nas escolhas visuais e sonoras, e é aí que o longa entra em um lugar ainda mais burocrático, que agradará os fãs, por se manter fiel nas canções e ter uma coreografia pouco inventiva, mas eficiente em como trabalha espaços abertos com muitos personagens dançando em sincronia, só que, nesse processo, a ideia do filme depender desse adentrar Oz novamente, com seus cenários fantasiosos deslumbrantes e cheios de vida e cor, vira refém de um modelo de produção dominante em Hollywood atualmente. Isso porque essa forma industrial de fazer cinema é contrária às cores vivas que marcam O Mágico de Oz (1939) e todo o período dominado pelo technicolor. Em filmes de grande investimento, são poucos os cineastas que podem dar o acabamento final aos seus filmes. Jon Chu, um operário da indústria, não é um deles. Então, o que provavelmente era lindo nos storyboards encontra um resultado final de cores lavadas, que tiram a vida da Cidade Esmeralda, do rosa que veste Glinda, dos sapatinhos vermelhos e de todos os elementos que clamam por ter vida em tela, ao mesmo tempo que a construção de grande parte dos cenários e mesmo de movimentos de câmera a partir da computação gráfica não permite que sintamos aquela Oz viva, ela é artificial, pouco palpável, sem profundidade, sem cor. É o processo de uma indústria que dá controle aos executivos e despeja todo o material gravado em fundo verde e luz branca para ser colorido e construído na pós-produção.