Português (Brasil)

|Crítica Mostra 2024| 'Tudo Que Imaginamos Como Luz' (2024) - Dir. Payal Kapadia

|Crítica Mostra 2024| 'Tudo Que Imaginamos Como Luz' (2024) - Dir. Payal Kapadia

Crítica por Raissa Ferreira.

Compartilhe este conteúdo:

 

'Tudo Que Imaginamos Como Luz' / Telecine

 

Título Original: All We Imagine As Light (Índia)
Ano: 2024
Diretora: Payal Kapadia
Elenco: Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam, Hridhu Haroon e Azees Neumangad.
Duração: 118 min.
Nota: 3,0/5,0
 

Em um paralelo da perspectiva feminina à sombra de imposições e as vidas comprimidas na cidade grande, Payal Kapadia olha para rostos que passam na multidão

Na maior cidade da Índia, pessoas se espremem para viverem suas rotinas, de casa para o trabalho, cozinhando suas refeições, conversando sobre as dificuldades dos dias, batendo ponto em seus empregos. Entre a narração em off das mulheres que dividem como suas vivências se atrelam à influência de Mumbai, enquanto cenas da cidade parecem montar uma observação documental da vida em grandes centros, e os recortes com carinha de comédia romântica que jogam luz na vida de três mulheres entre as muitas que passam despercebidas nas multidões, Payal Kapadia dedica boa parte de seu filme a traçar uma perspectiva feminina que não somente é limitada por imposições patriarcais atreladas à cultura do país e religiões, como também pelo próprio funcionamento econômico da sociedade. Acima de tudo, o olhar da diretora destaca essas mulheres e dá espaço para que elas existam em suas vivências mais corriqueiras, inundando seu longa com esse ponto de vista exclusivamente feminino. As histórias de amor que atravessam as narrativas da enfermeira Prabha (Kani Kusruti) e sua colega Anu (Divya Prabha) são tão importantes em suas jornadas quanto a amizade de ambas, seus hábitos em casa e no trabalho, a forma como cuidam da gata que vive com elas e como se relacionam com outras mulheres. É o caso da amiga que precisa encontrar uma nova moradia, expulsa de seu apartamento por uma grande construtora que levanta inúmeros prédios na cidade. As três entrelaçam suas vidas a partir de interações comuns de amizade, mas que caminham até uma catarse em que a influência urbana é removida para que elas possam se libertar.

Essa observação que elabora um paralelo do cotidiano dessas mulheres e seus amores complexos, com a esmagadora Mumbai, é o recorte mais interessante do filme, que se dedica tanto às complicações das imposições que essas personagens sofrem - o marido ausente de Prabha e seu interesse no médico, e o amor entre Anu e um homem muçulmano - quanto ao que é mais simples e comum - pacientes no trabalho, a gravidez da gata, a rotina nos trens e até o ato de fritar um peixe. As problemáticas urbanas influenciam tudo, mas são lidadas com a mesma importância que qualquer observação aqui, o trem que demora demais, a chuva constante que torna a cidade ainda mais difícil de se locomover e molha o chão do apartamento, e os prédios em construção. O presente misterioso, possivelmente do marido de Prabha, é uma panela de arroz, um item funcional e pouco afetivo, assim como ela deixa o homem que gosta sem resposta com a desculpa que não quer perder o trem. Há essa nivelação de vidas muito protocolares que seguem um fluxo de acordo com esse centro financeiro da Índia, é preciso ser prático e compreender seus limites. Nesse sentido, a enfermeira mais velha é pouco sonhadora e muito apegada a um homem que nem ao menos telefona para dar notícias, enquanto Anu deixa um pouco de lado a racionalidade da clara impossibilidade de seu relacionamento evoluir para se entregar a uma paixão clandestina. A terceira mulher tem uma narrativa interessante mas que serve mais como uma cola do que um foco, já que é seu problema de moradia que empurra o trio para fora da cidade e as permite uma nova perspectiva mais livre.

Na fuga do urbano, o encontro com a natureza permite uma remoção de suas barreiras, jogando Anu e Prabha em um território quase descolado do espaço-tempo, algo bem pontuado pela cena final em que há somente escuridão profunda ao redor do local iluminado em que todas estão, as recortando e suspendendo em um ambiente fantasioso. O desenvolvimento é um pouco prejudicado, junto com o ritmo, nessa etapa, mas Tudo Que Imaginamos Como Luz parece se importar mais com como a evolução dramática se dá a partir dessa mudança de espaço. É praticamente um respiro dado a todas as personagens, que não tem o mesmo fôlego em como observa as questões dessas mulheres justamente por ser um mergulho íntimo mais fechado naquilo que lhes é mais incômodo e precisa ser ultrapassado. Essa ruptura, deixando o espírito de Mumbai longe e permitindo uma morosidade para fantasiar soluções, tem sua beleza mesmo que perca um tanto de sua energia e se feche em um tom muito mais morno que o princípio. 

Compartilhe este conteúdo: