|Crítica Mostra 2024| 'Baby' (2024) - Dir. Marcelo Caetano
Crítica por Raissa Ferreira.
'Baby' / Vitrine Filmes
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O centro de São Paulo vivo de Marcelo Caetano recusa o cinza e abraça a cor da metrópole de solidão que também encontra seus abrigos
A introdução de Baby, retratando a saída do jovem Wellington (João Pedro Mariano) da Fundação CASA, remete a um filme recente de Portugal, Fogo-Fátuo. Ambos projetam suas histórias em cores muito vivas, destacando principalmente o vermelho e, também, são duas jornadas de paixões entre homens que recusam um lugar comum. Neste início, é como se Marcelo Caetano pegasse emprestada a atmosfera musical do longa de João Pedro Rodrigues, mas depois são apenas as cores que ficam. A São Paulo retratada em Baby é viva, pulsante, recusando o cinza deprimente desta grande cidade. É principalmente o centro que interessa a Caetano, lugar em que seu protagonista encontra seus iguais, jovens que se unem para poderem se expressar livremente nas praças, ônibus e festas pelas ruas. Centro esse dos cinemas pornô, das saunas e boates em que os homens de todas as idades se encontram para expressarem suas sexualidades verdadeiras, seja por serem reprimidos em suas casas, por não se aceitarem frente à sociedade ou para ganharem alguns trocados. O coração de São Paulo é retratado cheio de cor, mesmo em seus problemas, na correria pra se virar ganhando dinheiro de formas ilícitas ou morando em lugares pequenos e precários, porque mesmo nessas mazelas, Baby enxerga que além da solidão da metrópole que esmaga, há também a formação de família nos semelhantes. O núcleo de Priscila (Ana Flavia Cavalcanti) e Jana (Bruna Linzmeyer) e os amigos de Wellington demonstram isso, assim como o acolhimento de Ronaldo (Ricardo Teodoro) com o menino de 18 anos que encontra sem perspectiva na madrugada da cidade.
O romance entre os dois é complexo pelo abismo etário que os separa e a forma como os dois encaram o mundo. Ronaldo é mais um mentor do que um amante, o homem enxerga a vida como um corre atrás do outro, a necessidade constante de sobreviver usando seu corpo e a ferramenta que tiver nas mãos para ganhar a grana que precisa. Para ele, é impossível ficar parado porque não se movimentar significa padecer. Ronaldo é a síntese dessa cidade em estado de estresse constante, uma roda que nunca estaciona, movimentada por pessoas em transe que precisam sempre fazer alguma coisa para garantir o dia de amanhã. Baby tem um olhar mais fresco, seus recentes 18 anos o fazem ter mais respiro, vontade de aproveitar a vida e não somente ganhar o que precisa para sobreviver. Nessa dinâmica em que o homem mais velho é seu guia na sabedoria das ruas, a fotografia colorida rejeita qualquer perspectiva mais decadente, mas não maquiando São Paulo com um filtro cor-de-rosa e, sim, permitindo que se veja também a beleza como o protagonista faz, ou tenta fazer. Esse otimismo emprestado, quase adolescente, parece compreender que a cidade vai esmagar todos de qualquer jeito, então é melhor encontrar as brechas em que é possível também aproveitar a vida. Tudo é passageiro em Baby, assim como o que é perigoso e problemático se equilibra entre as doçuras e carinhos.
Então, todas as tragédias e dores estão presentes no longa, mas não condenam seu caminho ao filme LGBTQIA+ em que só é possível sofrer. Nenhum personagem é raso e simplista, todo mundo é meio puta e meio mãe, meio traficante e meio pai, todo mundo ama, odeia, sente dor, tesão e medo. Mais do que isso, entre as opressões e tristezas, os personagens se encontram a partir do outro, a família da ballroom, uma cultura que já carrega o espírito do filme em si mesma, é acolhimento nas ruas e na vida de Baby, assim como o lar de Priscila forma um núcleo familiar e de apoio incomum na visão geral, mas totalmente real na sociedade. Wellington é de fato muito novo e vai aprendendo com suas trocas a ser quem ele é, sendo seu contato com a elite paulistana o momento em que fica mais distante de si e de sua realidade.
Entre um romance em mundo de crime e encontrar abrigo no meio da cidade da solidão, Caetano pode até fazer um aceno ao cinema de Wong Kar-Wai, mas encontra uma voz bastante própria ao ser capaz de absorver as vivências de uma comunidade e das margens de uma cidade grande para traduzi-las em cada imagem, na forma como olha para cada personagem e percebe suas nuances e em como nunca deixa um pesar se instaurar em sua narrativa, nunca permite que as pessoas retratadas sejam engolidas, seja pela metrópole, pelo preconceito, pelas drogas ou pela criminalidade. É uma construção mais complexa que vê na jornada um caminho individual mas que também se faz nesses encontros, em que cada um é abrigo ou impulso, casa ou passagem breve, muito mais do que a simplicidade de um inimigo ou problema em comum a ser superado. Em geral, é Baby que mais interessa ao longa, mas é impossível contar sua história sem todos que cruzam seu caminho.