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|Crítica Mostra 2024| 'Lidando Com os Mortos' (2024) - Dir. Thea Hvistendahl

|Crítica Mostra 2024| 'Lidando Com os Mortos' (2024) - Dir. Thea Hvistendahl

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Lidando Com os Mortos' / NEON

 

Título Original: Handling the Undead (Noruega)
Ano: 2024
Diretora: Thea Hvistendahl
Elenco: Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie, Bahar Pars, Bjorn Sundquist e Denise Trankalis.
Duração: 98 min.
Nota: 2,5/5,0
 

Com densidade e distanciamento, Thea Hvistendahl fica entre o filme de zumbi tradicional e o horror psicológico que explora traumas, sem sair muito do lugar

Longe da charmosa e falante protagonista que lhe garantiu grande destaque na temporada de premiações em 2022, Renate Reinsve divide a trama em Lidando Com os Mortos (Handling the Undead) com personagens tão silenciosos quanto ela. O clima quente de Oslo só pode ser sentido pelas roupas que Anna usa, sua pele suada e o ventilador de teto ligado, já que a grande maioria das cenas passa uma frieza densa e palpável. A atmosfera que Thea Hvistendahl propõe é a do luto em uma forma aumentada, dividida coletivamente, como se toda a cidade vivesse paralisada pela dor da perda. Tanto quanto explora em planos abertos os contornos urbanos, também os observa do lado de dentro, sempre posicionando a câmera longe de seus personagens e encontrando barreiras, paredes, janelas e portas, pela profundidade, até encontrar o ponto de interesse. A sensação é de que precisamos apertar os olhos para enxergar mais de perto aquelas pessoas, embora a frieza e a densidade da atmosfera taciturna, aliada ao distanciamento da encenação, deixem gritantes os sentimentos que mal conseguimos ver estampados em seus rostos. Os vivos se arrastam nas cenas, consumidos pelo luto, separados em três núcleos familiares que jamais se encontram ou se relacionam, a não ser pelo fato de todos serem afetados por um mesmo fenômeno. Quando os mortos voltam à vida, o filme os retrata mais próximos aos zumbis tradicionais do cinema, lentos, caminhando de forma morosa até seus destinos, porém suas ações vão explorar um lado psicológico, retornam ao mundo para se aproximarem daqueles que os perderam, a princípio sem as respostas violentas e famintas comuns a esses seres. Ainda que Oslo siga extremamente pesarosa, é como se os mortos-vivos estivessem lá para preencher o buraco que deixaram, alguns bastante recentes, a ponto de nem terem sido digeridos ainda, outros já com parentes totalmente traumatizados. O que faz isso mudar para uma lógica mais comum, de zumbis comedores de seres humanos, irracionais, é um desenvolvimento quase invisível, um longa que caminha como seus próprios personagens, lentamente, sem muita energia e sem grandes feitos.

Não é totalmente incorreto dizer que Lidando Com os Mortos não vai muito além de sua premissa. Ainda que seja muito interessante e atrativa, o distanciamento e a atmosfera empregada por Thea Hvistendahl são possivelmente os responsáveis por empacar o filme nesse mesmo lugar, se movendo centímetros apenas para alterar a presença desses zumbis de um estranho conforto aos parentes enlutados para uma ameaça violenta que o faz compreender que não vale a pena os ter de volta a qualquer custo. O que morreu deve permanecer morto, o cinema (e a literatura e a televisão) já nos ensina isso há tantos anos, que não parece haver uma nova maneira de dizer a mesma coisa, porém certamente a premissa dessa obra tinha algum potencial para florear a mensagem. Mas então, nessa intenção tão sublinhada de escancarar a tristeza, personagens começam a parecer apenas vultos nas cenas, tão silenciosos e morosos que suas atitudes importam menos a cada nova transição dessa montagem que intercala as histórias. Sendo Renate Reinsve e Anders Danielsen Lie dois destaques do elenco, suas participações até marcam um pouco mais, mas o que dizer da velha senhora que perdeu sua companheira? Toda a distância que a coloca sempre ao fundo de grandes salas e corredores acaba por também tornar sua trama um adereço usado meramente para colar os outros pontos de vista. 

É compreensível que o filme siga uma mesma linha, de acordo com seu tema e como pretende o explorar, porém enquanto tenta adentrar essa atmosfera de luto, parece um tanto incoerente que se esforce tão pouco para se aproximar de seus personagens. É fundamental no desenvolvimento que a presença desses mortos-vivos seja sentida em algum nível, seja pela confusão de não compreender o que fazem ali ou no espantamento de perceber que seus parentes serão obrigados a abrir mão de suas presenças por uma ameaça maior, porém, fica difícil qualquer conexão já que a pessoa espectadora é limitada a uma visão através de tantas paredes, fadada a um lugar de intrusa em uma observação que caminha sem sair do lugar. 

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