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|Crítica| 'Robô Selvagem' (2024) - Dir. Chris Sanders

|Crítica| 'Robô Selvagem' (2024) - Dir. Chris Sanders

Crítica por Victor Russo.

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'Robô Selvagem' / Universal Pictures Brasil

 

Título Original: The Wild Robot (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Chris Sanders
Elenco (Vozes): Lupita Nyong'o, Pedro Pascal, Kit Connor, Bill Nighy, Stephanie Hsu e Mark Hamill.
Duração: 102 min.
Nota: 4,0/5,0

 

Muito mais do que apenas uma animação fofinha, tocante e bonita visualmente, Robô Selvagem tem em Chris Sanders um diretor que pensa cada plano e toda uma narrativa visual

Virou quase um clichê em parte da crítica (a mais popular e que trata a profissão não como propor ideias e questionamentos sobre cinema, mas apenas como uma avaliação formulaica sobre cada obra) avaliar a qualidade das animações sobre três frentes principais: a diversão, que seria teoricamente o entretenimento para crianças e adultos, a capacidade de falar sobre “temas sérios ou profundos”, não importa como o faça, já que esse seria o aprendizado importante para esses pequenos em formação (aquela ideia bem problemática do cinema tendo a obrigação de “educar”), e, por fim, a “qualidade técnica”, que sempre se resume a uma abordagem superficial de falar se a animação é boa ou ruim baseado no realismo dos traços, cenários e iluminação, ou na beleza, quando essa foge do 3D mais realista dominante atualmente. Robô Selvagem certamente agradará essa parcela da crítica, muito concentrada no YouTube, por preencher esses pré-requisitos, funcionar dentro da cartilha básica tanto replicada e que estimula outros a seguirem passando esses “ensinamentos” mais simples para frente. Assim, todos falam de cinema, sem precisar de estudo ou reflexão, e se repetem nos argumentos pré-programados. Só que, nesse processo, acabam por diminuir as capacidades de uma obra como a de Chris Sanders, sobretudo quando se trata de imagem, pensando não só na revitalização de uma técnica que encontrou-se com o realismo e pouco tem a fazer nesse sentido a partir de então, mas principalmente na escolha de cada plano para formar essa narrativa.

A sequência de abertura já diz quase tudo, vemos focas (ou animais marinhos similares) nas pedras, enquanto a água do mar bate com força ali. Um movimento de câmera vai nos conduzindo até que percebemos que enxergamos tudo não por um ponto de vista qualquer, mas pelo reflexo do olho de Roz, o nosso robô protagonista, ainda desacordado. Para além do mecanismo mais complexo e pouco usual nas animações, Sanders desenvolve já nesses primeiros planos não apenas um exibicionismo da técnica, mas uma consciência do decupar, no pensar a escolha de cada plano para inclusive construir um sentido nesse ponto de vista. Roz está adormecido e, ao acordar, o longa passa a ser justamente sobre essa sua capacidade de aprender observando, romper seus protocolos encontrando emoções inicialmente pelo olhar, esses mesmos olhos que Sanders nos direciona ao exibir o mundo pelo reflexo deles. Se os conflitos finais do longa colocam Roz sendo puxado de volta para esse sistema do qual ele não faz parte (humanização que pode até ser uma mensagem desses estúdios que buscam de qualquer forma fazer a Inteligência Artificial ser bem vista, mas isso importa menos aqui), ou se grande parte da construção será em um sentido de criar laços de afeto e do robô como amigo e mãe, tudo isso só é possível a partir de toda a sequência inicial, que começa com esse plano e segue com longos minutos, bastante desesperadores, de Roz sendo sabotado por aquelas criaturas que ele não conhece, tendo suas partes tiradas por um ecossistema que o vê como objeto estranho e com o qual ele é incapaz de se comunicar. Se há uma impossibilidade inicial na fala, mais uma vez Sanders recorre à imagem, comunicando pelas ações, tanto nas idas e vindas de Roz atrás da sua parte como já numa inicial capacidade de aprender e copiar aqueles seres, que nos é retratado justamente na forma de se locomover e agir. É quase um retorno ao cinema de ação e comédia mais primordial, que investe na fisicalidade e nos acontecimentos sendo compreendidos não pelo texto, mas, mais uma vez, pela imagem.

Claro que a beleza das cores, na combinação dos traços 3D com outros estilos de animação, algo que Dreamworks vem investindo desde Os Caras Malvados e que teve ainda mais sucesso com o ótimo Gato de Botas: O Último Pedido, é um frescor que marca esse reconhecimento de um nível realista do 3D difícil de ser superado, o que, quando ultrapassado, deixa de parecer animação. Óbvio que a graça não parte apenas dos acontecimentos visuais, mas também de um texto afiado e muitas vezes com uma maturidade meio mórbida inesperada em obras assim, ao falar e ironizar a morte, por exemplo, tanto Roz matando a mãe e os irmãos de seu filho ou com a outra mãe cansada de ter que lidar com tantas crianças ao mesmo tempo. E é ainda mais evidente a sensibilidade que tudo isso é capaz de combinar para construir esse melodrama maternal e de amizade que faz qualquer um derrubar lágrimas. Só que, tudo isso vai funcionar justamente porque Robô Selvagem tem um diretor por trás, alguém conduzindo essa narrativa para além apenas de uma “animação bonita e realista”. 

É essa figura que até é compreendida por grande parte de todos os críticos quando se trata de filmes em live action, mas que é diminuída, esquecida e muitas vezes nem citada quando se trata de filmes animados, com exceção de alguns nomes mais famosos da Pixar, como Pete Docter e Brad Bird (sem contar Hayao Miyazaki, Isao Takahata e outros nomes do Studio Ghibli, que são um caso à parte), ou quando cineastas que fazem live action, como Tim Burton, Wes Anderson ou Guillermo Del Toro, se arriscam em animações mais peculiares, como o stop-motion. Em parte, tal reação é até compreensível, visto que os próprios estúdios reforçam essa dinâmica, como se a animação fosse uma produto para criança e dependesse apenas de animadores e roteiristas. Ou seja, como se não fosse um filme, a diminuição desse estilo frente ao cinema. Como resultado, temos animações “de estúdios” e não dos diretores. Por sorte, vez ou outra, diretores como Sanders (que já havia feito trabalhos ótimos em Como Treinar Seu Dragão, Os Croods e Lilo Stitch) lembram os olhares mais atentos de que animações também dependem e funcionam por conta de seus diretores, ainda que provavelmente seu nome será pouco citado em meio à aclamação que Robô Selvagem vem recebendo e terá nos próximos meses.

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