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|Crítica| 'Os Fantasmas Ainda se Divertem' (2024) - Dir. Tim Burton

|Crítica| 'Os Fantasmas Ainda se Divertem' (2024) - Dir. Tim Burton

Crítica por Victor Russo.

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'Os Fantasmas Ainda se Divertem' / Warner Bros. Pictures

 

Título Original: Beetlejuice Beetlejuice (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Tim Burton
Elenco: Michael Keaton, Winona Ryder, Jenna Ortega, Catherine O'Hara, Justin Theroux, Monica Bellucci e Willem Dafoe.
Duração:104 min.
Nota: 3,5/5,0

 

A proposta industrial de atrair o fã pela nostalgia em nada impede Tim Burton de retornar ao seu bom cinema e se aproveitar visualmente da falta de regras concretas do universo

Já se foi o tempo em que Tim Burton lançava um longa atrás do outro, sempre preservando a sua assinatura, mas criando novos universos fantasiosos ricos em conceitos e visual. O bom Peixe Grande, um dos melhores longas do cineasta, representou um momento de ruptura, ao não ter uma recepção tão empolgada nessa combinação de seus elementos típicos a um melodrama mais “convencional” (entre muitas aspas). O seu longa seguinte, o remake A Fantástica Fábrica de Chocolate mostrou um cineasta em um modo “total estranhezas de Burton”, como um aceno para esse fã e retomando a parceria com Johnny Depp. Ao mesmo tempo, o cineasta começava a soar fora de moda, nessa guinada do cinema hollywoodiano rumo a um realismo mais estéril, parecia ter cada vez menos espaço para a fantasia do diretor. Aos poucos, então, foi se criando um vício dos próprios elementos, incluindo a caracterização de Depp (que virou quase o mesmo personagem na vida real). E o que era autêntico passou a soar cada vez mais como uma cópia de si mesmo, como se o diretor se transformasse em uma caricatura do próprio cinema. Apesar de um ou outro bom filme de lá para cá, como Sweeney Todd e A Noiva Cadáver, quando Burton não apenas seguia um protocolo de si mesmo, ele cedia aos desejos dos estúdios em longas que muito pouco restava dele, como Dumbo (seu filme anterior) e Grandes Olhos. Foram longos anos nesse marasmo, com os fãs quase sempre falando sobre como Burton foi bom um dia.

Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, ou para facilitar daqui para frente no texto, Beetlejuice 2, foi confirmado gerando bastante temor em quem ainda alimentava algum tipo de esperança para com o diretor. Não no sentido de “estragar o original”, nenhum filme nunca foi capaz de tal feito, o que não passa de uma ideia meio senso comum de fã, que não encontra um resultado real. As fracas sequências geralmente são apenas esquecidas mesmo, e muito podia se esperar que o longa de 2024 seguiria o mesmo caminho, ainda mais em um período de crise em Hollywood, em que as sequências, crossovers, remakes e reboots não só existem, como sempre estiveram por lá, mas se transformaram em praticamente a última cartada desses estúdios que não sabem mais como ganhar dinheiro. E, de certa forma, o apelo do longa, pelo menos pela ótica dos executivos, é essa mesmo, não parece ser exatamente um projeto de amor de Burton ou dos que retornam do filme antigo, o que, pelo menos inicialmente, soa como uma replicação, mais uma caricatura, agora não só do diretor consigo mesmo, mas do próprio filme com o anterior.

Porém, aos poucos, Burton parece emergir, sair daquele casulo conveniente e pouco criativo, e permitir a si mesmo se divertir com a própria criação, fazendo das referências claras ao primeiro ou dos efeitos gerados por aquela história, como o trauma em Lidia (Winona Ryder), em uma brincadeira com esse clichê contemporâneo do terror, de sempre focar em uma protagonista traumatizada ou em luto, nesse caso, os dois ao mesmo tempo, uma forma de se libertar e mirar mais compromissadamente no que já fez anteriormente, não como replicação, mas como liberdade. O próprio filme se anuncia em uma linha de diálogo, revelando que aquele universo tem regras confusas, deixando clara essa intencionalidade do autor de não se apegar às restrições lógicas, um mal do cinema contemporâneo, mas deixar fluir a criatividade, a imaginação se materializando em imagem, passando do mundo real mais genérico ao submundo dos mortos com todas as composições visuais e escolhas de maquiagem para as diversas mortes possíveis, indo de cabeça nesse macabro que diverte pelo absurdo, como o pai falecido que virou um corpo sem cabeça e tronco, com a marca da mordida de tubarão e que fala cuspindo sangue, mas passando também por outras técnicas, da computação gráfica atual, ao stop motion do clássico e até com uma animação meio mal renderizada para tirar graça desse flashback bizarro.

É nessa lógica de ir se abrindo e cruzando as narrativas e objetivos dos personagens que Burton encontra seu fator novidade, contrastado com o “fechadinho” e direto primeiro filme. Agora, as resoluções se tornam menos importantes, tramas são resolvidas rapidamente, o que vale é deixar essa imaginação fluir, criando passagens musicais, arcos autorreferentes, personagens à parte do restante, como é o caso do ator que lidera as operações especiais dos mortos (Willem Dafoe), mas mal se cruza com o resto, além de um aprofundamento visual nesse mundo dos falecidos. Burton se diverte, Michael Keaton também, e nós somos levados a apreciar juntos esse descompromisso, essa tiração de sarro com a seriedade do cinema blockbuster contemporâneo, em uma certa breguice que não é apenas justificativa defensiva, como é comum hoje em dia, os chamados bobamente de “filmes ruins que querem ser ruins”. No caso de Beetlejuice 2, há um carinho genuíno com aquela diversão, não busca uma suposta ruindade como qualidade final, pelo contrário, a beleza está em como se constrói a partir dessa inocência, tem uma certa pureza que nem a busca incessante pela replicação e nostalgia por parte dos estúdios é capaz de tirar.

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