|Crítica| 'Estômago 2 - O Poderoso Chef' (2024) - Dir. Marcos Jorge
Crítica por Victor Russo.
'Estômago 2 - O Poderoso Chef' / Paris Filmes
|
Mais uma paródia (nem sempre intencional) do primeiro do que uma sequência, Estômago 2 escanteia Raimundo Nonato para focar em uma história de máfia qualquer e não sabe traçar comentários sobre isso
"O cinema brasileiro está copiando Hollywood e entrou na era das sequências”. Comentários como esse se tornaram bastante comuns nas redes sociais após as confirmações das continuações de alguns filmes populares do nosso cinema, como Cidade de Deus e o próprio Estômago 2 - O Poderoso Chef. Do ponto de vista dos produtores e em outras, agora, possíveis franquias, tal afirmação pode fazer bastante sentido, pela perspectiva de Marcos Jorge, nem tanto assim. “Tem gente que nasceu pra fazer dinheiro e tem gente que nasceu pra fazer teatro” o filme nos diz quando Don Caroglio (Nicolas Siri), antes de assumir esse título, revela que sua sequência de abertura não passava de uma atuação de teatro. Nada ingênuo, Jorge traça aqui um primeiro comentário bastante claro sobre a sequência do filme de 2007, um daqueles casos de longas nacionais que vão ganhando mais repercussão e fãs com o tempo, revelando esse caráter assumidamente comercial de uma sequência que ninguém havia pedido. O cineasta, também responsável pelo precursor, vem do longa Abestalhados 2, que passou bem desapercebido, mas já era uma sátira que tirava sarro dessa onda de franquias da indústria dominante mundial, quase um ensaio para o menos escancarado Estômago 2.
Entretanto, se a obra de 2022 partia de uma boa premissa para no fim ser um tanto ingênua e genérica em sua abordagem narrativa, como uma sátira a Hollywood que se usa de uma linguagem totalmente hollywoodiana e que, se não fosse falada em português com alguns atores conhecidos, passaria tranquilamente como aquelas bobagens americanas de sátiras autocríticas (e inofensivas) à própria indústria, o longa de 2024 é um tanto mais confuso em seu discurso. Isso porque, se há em algum lugar uma consciência que faz dele uma espécie de paródia do original e dos filmes de máfia, há também alguma pretensão de ser uma sequência pura e simples que marcaria o retorno e deixaria espaço para filmes futuros. É justamente nessa indecisão de estilo e roteiro que Estômago 2 vira uma bagunça incapaz de rir do que veio antes, de rir agora e de continuar o que já estava estabelecido. Alguns até poderiam argumentar que é tudo intencional, que Jorge fez um filme genérico e pobre em linguagem como uma ironia sagaz às sequências, mas tem que se esforçar demais para acreditar nisso, visto que para além da já citada linha de diálogo e mais uma ou outra escolha, o longa passa longe de estruturar toda uma crítica ácida à indústria e parece ter vergonha até de se assumir como paródia.
Assim, Raimundo Nonato (João Miguel) é escanteado, vira um personagem que só retorna de vez em quando para nos lembrar que se trata de uma sequência do filme de 2007, quando Caroglio vira abertamente o real protagonista, a ponto da estrutura do primeiro ser mantida, mas agora contando a história desse mafioso, que chega à prisão no presente, enquanto vemos toda a sua trajetória no passado, de ator de teatro, passando pelo retorno à cozinha, até o crime que o fez parar no presídio, tal qual acompanhamos Raimundo no anterior. Só essa preservação da estrutura da narrativa, a apresentação de um novo protagonista e Raimundo apenas como enfeite já parece uma ideia boa o suficiente para brincar com o que Hollywood tem feito com as franquias, usando os personagens clássicos apenas como escada para novos rumos a partir de novos protagonistas. Mas em nenhum momento o longa parece brincar ou satirizar essa dinâmica, pelo contrário, ao fazer questão de retornar a narrativa para Raimundo ao final e fechar a partir da história dele, o longa se coloca em uma posição de ser apenas uma sequência que manterá a figura inicial como o fio narrativo para os próximos longas.
Assim, aos poucos, as atuações caricaturais que nada lembram o que os mesmos atores (João Miguel e Paulo Miklos) fizeram com esses personagens, com perdão da repetição, que soam como paródias deles mesmos, a imagem que perde qualquer sujeira ou realismo para se transformar em algo limpo e estéril, como as novelas ou filmes para streaming, a estereotipação dos mafiosos italianos, como uma tiração de sarro de O Poderoso Chefão, e os próprios diálogos, que no primeiro eram bem mais crus e secos, e agora são extremamente programados, o que fica evidente nos debates do grupo de Etecetera, em que cada um representa uma figura da sociedade brasileira e fazem questão de falar como memes dessas posições que lhe são impostas, tudo isso que teoricamente faria do filme uma grande autoparódia escrachada, vai perdendo essa noção de consciência para se transformar apenas em um produto genérico mesmo, que apela para muitos clichês na ineficiência de estabelecer uma unidade de tom. É o Projota fazendo o que seria o professor que fala difícil, com Miklos mandando uma metralhadora de supostas “gírias de cadeia”, enquanto o longa não desapega de replicar e referenciar o original com nostalgia, sendo a cena que Raimundo transa praticamente forçando seu novo interesse sexual a comer sua comida a piscadinha mais escancarada e boba. Falta a Jorge desapegar de fazer uma sequência e aceitar a paródia por completo. Ao temer manchar o original, de transformar tudo em piada com a indústria, o que o diretor faz é justamente um filme genérico de máfia em todos os sentidos, como uma comédia Globo Filmes típica, sem uma preocupação em como filmar ou montar a narrativa. O que talvez fosse uma sátira às sequências “desnecessárias” se transforma, ao final, ele mesmo em uma sequência sem nada a dizer que só se usa do nome do original.