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|Crítica| 'Longlegs - Vínculo Mortal' (2024) - Dir. Osgood Perkins

|Crítica| 'Longlegs - Vínculo Mortal' (2024) - Dir. Osgood Perkins

Crítica por Victor Russo.

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'Longlegs - Vínculo Mortal' / Diamond Films

 

Título Original: Longlegs (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Osgood Perkins
Elenco: Maika Monroe, Nicolas Cage, Blair Underwood, Alicia Witt, Michelle Choi-Lee, Lauren Acala e Kiernan Shipka.
Duração: 101 min.
Nota: 4,0/5,0
 

Com atmosfera pesada e uma composição visual poderosa, Oz Perkins parte do filme de Serial Killer típico dos anos 1990 para diminuí-lo frente ao sobrenatural

A ambientação noventista em longa que teve como marketing a figura de Nicolas Cage como um serial killer e uma jovem agente do FBI (Maika Monroe) como protagonista denuncia esse caráter inicial de Longlegs de flertar escancaradamente. Lee Harker seria uma nova versão de Clarice Sterling, enquanto o personagem que dá nome ao título, uma espécie de combinação de diversos assassinos do período, da máscara de Hannibal Lecter, passando pelo jeito de agir, vestimentas e o porão de Buffalo Bill, até esse jogo mais escancarado de símbolos que já se aproximam de Seven e Zodíaco (esse já dos anos 2000, mas baseado em um serial killer dos anos 1960 e 70, que se enquadra no aqui interpretado por Cage). Ao mesmo tempo, o tom um pouco distante e o foco em uma protagonista com algum assunto pendente com o seu passado poderia fazer muitos espectadores associarem o longa a essa onda de filmes de terror que fazem questão de diminuir o gênero e “se elevar” pelo drama e pelos símbolos. Não é nem um, nem outro, mas é também os dois.

Mesmo em seus filmes mais fracos, como Maria e João (que sofreu também por conta de exigências dos produtores), mas principalmente em seus melhores, como February e, agora, Longlegs, Oz Perkins demonstra a capacidade ímpar de criar uma atmosfera pesada, um anseio por respostas bastante inquietante, um tanto por conta das lacunas do roteiro, mas principalmente pelo domínio do cineasta em trabalhar tempo e espaço. O ritmo mais pausado, com cenas que se estendem e nos jogam para dentro da tela, um olhar para as composições visuais que não encontram beleza na imagem como fazem daquele espaço dramático cenário de prenúncio. Mesmo quando não mostra nada, como acontece durante boa parte de seus longas, há sempre uma sensação de que algo está errado, como se houvesse uma força sobrenatural das profundezas do inferno ditando o ritmo daqueles personagens. É justamente o tipo de sensação de inquietude pela calma que os outros filmes de terror psicológico (ou dramático) dariam tudo para ter e que pouquíssimos, como A Bruxa, são capazes de atingir. A comparação aqui até faz algum sentido, já que ambos vão lidar com alguns símbolos semelhantes do horror.

Voltemos à fachada do filme, essa investigação por descobrir quem é aquele serial killer, que vai se revelando cada vez mais complexa e inexplicável. Se as referências iniciais a Seven e O Silêncio dos Inocentes, inclusive quando o filme é ambientado, podem até sugerir um teor genérico de filme homenagem, aos poucos percebemos que Longlegs pouco tem realmente a ver com essas inspirações da premissa. Por mais que Lee tente desvendar os códigos, vá de um lugar de crime ao outro, entre em celeiro no meio da noite, visite uma sobrevivente em hospital psiquiátrico, passe noites em claro na sede do FBI ou tenha sua casa invadida e uma carta deixada em seu nome pelo assassino, aos poucos Perkins vai nos conduzindo em outra direção, em um embate muito menos racional, como se caracteriza o filme de investigação, e muito mais de perceber essas forças incompreensíveis que se apropriam do mundo sem que possam ser completamente desvendadas. Em algum lugar, Longlegs tem até uma pitada de M. Night Shyamalan nesse sentido, só que se diferenciando completamente em sua abordagem muito mais gráfica e macabra. Os filmes de Perkins, sendo esse o maior exemplar, são a definição precisa da palavra do inglês “creepy”, que o português não teria um termo semelhante com o mesmo efeito.

Fica claro como, diferente tanto do filme de serial killer, que busca preservar o mistério das identidades o máximo possível, quanto com o terror psicológico contemporâneo (infamemente chamado de pós-terror ou terror elevado), em que nada é mostrado e tudo é sugerido, Perkins expõe já em sua abertura o visual daquele assassino. E reforça ainda mais essa ruptura ao mostrá-lo outras diversas vezes, em situações até que soam completamente deslocadas da narrativa da protagonista. Ao mesmo tempo que a arrepiante performance de um caracterizado Cage reforce o tom do filme, é justamente nesse caráter não-humano que ele ajuda a mover o longa para o sobrenatural, sobretudo quando sua presença vai perdendo o espaço e compreendida apenas como uma peça de um domínio maligno muito maior. Igualmente, como já havia feito em February, o cineasta não tem medo de mostrar as sombras evidentes dessa figuras com um imaginário gigantesco para o terror que transpassa o cinema e adquire uma mística muito mais antiga.

Então, não só pelos momentos mais gráficos, mas, principalmente, pelos símbolos, atmosfera, construções visuais e ode ao sobrenatural, Perkins revela Longlegs como esse filme de terror com T maiusculo, utilizando-se da investigação dos assassinatos para descobrir quem é o serial killer apenas como isca, e fazendo qualquer associação com o terror psicológico contemporâneo fragilizar ainda mais as possibilidades pobres e formulaicas desses filmes que representam boa parcela do catálogo da A24 e se tornaram marca da empresa. Habilidosamente, mais uma vez Perkins vai nos envolvendo em sua construção, sugerindo possibilidades (há um plano fantástico nesse sentido, em que vemos a personagem de longe falando com a mãe no telefone, enquanto uma luz amarela, como do céu, vem da parte de cima da escada, enquanto uma laranja/avermelhada, como o inferno, domina esse ambiente “downstairs” que a personagem está presente, antes mesmo do termo sobre o homem debaixo da escada ser apresentado no longa), apresentando algum tipo de humanidade a ser cavada, brincando com uma disputa entre o racional e uma possível resposta psicológica à atitude dos personagens, e o sobrenatural que não pode ser domado, até nos envolver por completo em uma ambientação sinistra, tanto em construção espacial quando na apresentação desses símbolos, o tipo de coisa que qualquer pessoa religiosa ou mais medrosa teria muito medo em tocar.

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