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|Crítica| 'Tipos de Gentileza' (2024) - Dir. Yorgos Lanthimos

|Crítica| 'Tipos de Gentileza' (2024) - Dir. Yorgos Lanthimos

Crítica por Victor Russo.

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'Tipos de Gentileza' / 20th Century Studios

 

Título Original: Kinds of Kindness (UK)
Ano: 2024
Diretor: Yorgos Lanthimos
Elenco: Emma Stone, Jesse Plemons, Hunter Schafer, Hong Chau, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Joe Alwyn e Mamoudou Athie.
Duração: 164 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Yorgos Lanthimos dá 10 passos atrás na carreira em um mero exercício de estranheza tão bobo quanto tedioso

Tipos de Gentileza marca o retorno da parceria de Yorgos Lanthimos com o também grego Efthymis Filippou, co-roteirista de quase todos os filmes do cineasta até O Sacrifício do Cervo Sagrado. Coincidência ou não, as obras que vieram depois e antecedem a antologia de 2024, no caso, A Favorita e Pobres Criaturas, são as melhores e mais maduras do cineasta, justamente quando ele se permitiu ser mais criativo, retornando ao passado ou indo para um mundo completamente fantasioso para rir ao lado de seus personagens e criando os típicos comentários sociais e bizarrices de forma mais harmoniosa com o restante, sem essa limitação de trabalhos anteriores, como o próprio O Sacrifício do Cervo Sagrado ou Dente Canino, de que o estranho e o choque provocado por isso bastava. Em algum lugar, o retorno de um Lanthimos mais despreocupado, fazendo o que quer, não interessa quem agrade, até deve ser valorizado, ainda mais pelo filme chegar menos de um ano após Pobres Criaturas, a obra mais popular do cineasta, tanto em bilheteria, quanto em premiações americanas, conquistando quatro Oscars e sendo indicada a outros nove. O caminho natural para a maioria dos diretores seria o da combinação do seu cinema com algo mais palatável, para seguir fazendo parte desse clubinho de prestígio da Academia americana. O grego não o faz, prefere retroceder, ser feliz com sua visão criativa, não se importando que isso seja também uma perda de qualidade para o seu cinema. Se é admirável por um lado, enquanto autor preocupado com a sua arte, por outro, trata-se de um retorno a uma certa infantilidade criativa.

Claro que Lanthimos nunca deixou de ser marcado por suas esquisitices, tornou-se mais universal e até complexo, mas o cerne da “weird greek wave” sempre permaneceu com ele ao fazer essa transição do cinema grego para o britânico/americano, trabalhando primeiro com a A24 e sendo parte da divulgação desse estúdio que grita aos quatro cantos do mundo afirmando a liberdade criativa aos seus cineastas, e, posteriormente, com a 20th Century (antiga Fox), mantendo a parceria mesmo após a compra desta pela Disney. Nesse sentido, o período de A24 (O Lagosta e O Sacrifício do Cervo Sagrado) foi uma espécie de rito de passagem, entre o mais extremo de seu cinema para o mais palatável, conservando grande parte das características dessas premissas não usuais e o riso ou o desconforto pelo que soa estranho, mas já fazendo uma transição formal. Por mais que O Lagosta seja um tanto melhor e mais bem acabado que o filme seguinte, O Sacrifício do Cervo Sagrado tem um papel fundamental para a segunda grande mudança de sua carreira (ou terceira, caso consideremos a primeira a transformação do mais convencional Kinetta para o cineasta mais excêntrico que ficou conhecido a partir de Dente Canino), pois o longa, que não passa de uma releitura contemporânea e bizarrinha do mito de Ifigênia, é também um exercício de estilo, sobretudo no uso da lente grande-angular (e sua capacidade de colocar mais elementos no plano, dar profundidade de campo, mas também distorcer em casos mais extremos, como a olho de peixe, utilizada aos montes pelo cineasta a partir do longa seguinte). Ou seja, apesar de ser um retrocesso em relação ao anterior, marca pelo menos o cineasta buscando uma assinatura visual, que seria incorporada e radicalizada nos longas seguintes.

Nesse sentido, Tipos de Gentileza é só involução. Não há renovação ou pretensão de estilo para além de um uso pobre da imagem e do som a fim de reforçar a estranheza dos personagens e situações. Ainda que mantenha um olhar aqui e ali para temas sociais e humanos, como as relações de poder da primeira e da terceira história, ou mesmo as provocações relacionadas ao sexo (aqui muito mais simplórias e infantilizadas do que em seus dois longas anteriores), de forma geral, o longa vai se aproximar muito mais de O Sacrafício do Cervo Sagrado do que dos filmes posteriores, no sentido de ser esse exercício de bizarrice, sem tanta pretensão de dizer algo muito relevante, como fica claro na segunda história, uma espécie de homenagem aos filmes de infiltração alienígena, como Vampiros de Alma, Eles Vivem, Invasores de Corpos e tantas outras ficções científicas bastante políticas, mas aqui em Tipos de Gentileza abordada sem qualquer pretensão de tecer comentários sobre a sociedade. E o fato de não buscar dizer algo relevante passa longe de ser o problema, talvez até seria uma virtude, se o longa não se resumisse praticamente apenas à estranheza pela estranheza. É curioso que, quando o cineasta resume o seu olhar a isso, o seu cinema se torna também mais tedioso, como o já muitas vezes citado filme de 2017. Parece um pouco uma criança querendo atenção, dizendo “olha só como eu sei fazer coisas esquisitas e elas são muito legais… porque são estranhas”. Sério? O estranho basta por si só para uma experiência fílmica.

Retornamos então a como ele compõe essas narrativas. A escolha pela repetição dos atores em papéis diferentes parece um sintoma desse exercício do cineasta, é a base para resumir o longa a situações não convencionais e pessoas agindo de forma estranha, em seitas, relações de trabalho ou mesmo em suas vidas pessoais. Pensando nisso, o prêmio de Melhor Ator recebido por Jesse Plemons no Festival de Cannes 2024 faz até bastante sentido, a partir do momento que ele se transforma nessa figura que representa grande parte da estranheza do longa, ao mesmo tempo que é um camaleão de excentricidades, passando de um papel para o outro sem nenhum problema. O elenco como um todo desempenha muito bem a proposta do diretor, o problema é a proposta em si. Retornamos então ao uso da grande angular e o constante pianinho da trilha sonora (muito semelhante ao que outros filmes de terror que querem soar super diferentes têm usado aos montes nos últimos anos), dois elementos que parecem ser as únicas escolhas (há também um ou outro close extremo e os travellings suaves característicos de Lanthimos) para compor de forma audiovisual essas histórias, justamente uma forma apenas de reforçá-las, pelas leves deformações visuais dessa lente ou pelo som da música gritando “ISSO É ESTRANHO”. Pouco sobra, não há nem uma pretensão de experimentar com a linguagem e as lentes, como no filme de 2017, é só um tédio de alguém clamando por ser inusitado. Se podemos dar algum crédito ao cineasta em sua execução, pelo menos os contextos anormais criados permitem uma ou outra boa piada, como a que encerra o filme, o que nos lembra que, quando se permite rir, Lanthimos encontra o seu melhor cinema. O problema é que aqui, como boa parte de sua carreira, ele leva a sério demais as suas bizarrices, que, quase sempre, parecem piadas prontas sem o toque final para se transformarem em peças de humor.

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