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|Crítica| 'Pequenas Cartas Obscenas' (2024) - Dir. Thea Sharrock

|Crítica| 'Pequenas Cartas Obscenas' (2024) - Dir. Thea Sharrock

Crítica por Victor Russo.

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'Pequens Cartas Obscenas' / Sony Pictures

 

Título Original: Wicked Little Letters (UK)
Ano: 2024
Diretora: Thea Sharrock
Elenco: Olivia Colman, Jessie Buckley, Anjana Vasan, Timothy Spall e Gemma Jones.
Duração: 100 min.
Nota: 2,5/5,0
 

Ao abraçar essa comédia inglesa mais inofensiva, Thea Sharrock superficializa os temas e personagens

Como a maioria dos filmes baseados em fatos reais, Pequenas Cartas Obscenas inicia e termina com textos, o primeiro fazendo uma piadinha indicando que aquilo aconteceu e o segundo reforçando a existência da personagem e a importância dessa história esquecida. Entretanto, apesar desses dois momentos darem algum ar de relevância histórica para aquilo que veremos, a direção de Thea Sharrock faz questão de ir em um caminho bastante contrário, o que não é de se espantar para quem conhece a carreira da diretora, que tem como como trabalhos mais relevantes os bonitinhos, mas fracos, Como Eu Era Antes de Você e The One and Only Ivan.

Apropriando-se da forma mais clássica de se filmar e a inserindo de maneira bastante genérica (quase tudo se resume ao plano e contra plano sem muita inventividade), a cineasta tira qualquer ar de realidade para inserir tudo sob a sua abordagem meio caricatural de sempre. O bom elenco britânico, então, fica restrito a caras e bocas, que ainda têm algum efeito dramático quando Olivia Colman e Jessie Buckley estão em tela, mas soa extremamente calculado com os demais personagens, que se inserem nessa trama de mocinhos e vilões sem realmente dar destaque para a bizarrice que é a história e muito menos dar peso para o contexto histórico britânico e toda a visão misógina ali presente.

Assim, todos se transformam nessas caricaturas: a boêmia mal vista, a puritana catequizadora com desejos reprimidos, o patriarca machista e rígido, o chefe de polícia bobalhão, o policial burro, a policial íntegra reprimida pelo sistema, a grosseira porca engraçada, entre tantos outros. A única busca por algo fora do padrão está na inserção de alguns personagens negros que nunca teriam aquele espaço na história real, mas que aqui, em sua maioria, também não vão muito além de adereços de cena sem relevância. Nesse processo, a tentativa de Sharrock em reforçar um discurso feminista, em tempos de movimento sufragista, que rompesse os preconceitos da época e desse voz a essas mulheres marginalizadas, ao mesmo tempo que dá pinceladas críticas ao conservadorismo religioso, fica exatamente nessa camada mais superficial que aqui descrevo. A busca por dramatizar em close-ups encontra pouco efeito em um filme que não leva nada muito a sério ou tem qualquer tipo de enfrentamento real a esses valores que pretende criticar. É a caricatura enquanto apaziguamento de discurso, o que se reforça com todo o arco da personagem de Colman, a vilã que não é tão ruim assim, é apenas uma vítima das circunstâncias que o filme pede nossa compaixão e risadas ao final.

É como se Sharrock se sentisse confortável nesse lugar meio genérico da comédia britânica que sai aos montes sem deixar nenhuma marca. Tudo é calculado, a cidade e os figurinos escancaram esse visual de estúdio, a montagem alternada que cria tensão nos momentos-chave quase anuncia o que deveríamos sentir naquele instante, assim como a trilha reforça cada momento que deveria ser empolgante. Ao final, para além de algumas poucas risadas vindas da naturalidade com que Buckley encara a caricatura de sua personagem e os palavrões do texto, Pequenas Cartas Obscenas joga tanto no seguro que parece querer ficar mesmo nesse lugar de “filme inofensivo”, o que até seria bastante aceitável, se não fosse essa pretensão, sobretudo ao final, de se declarar como uma história relevante que o mundo precisa conhecer.

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