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|Crítica| 'MaXXXine' (2024) - Dir. Ti West

|Crítica| 'MaXXXine' (2024) - Dir. Ti West

Crítica por Victor Russo.

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'MaXXXine' / Universal Pictures

 

Título Original: MaXXXine (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Ti West
Elenco: Mia Goth, Kevin Bacon, Halsey, Elizabeth Debicki, Moses Sumney, Lily Collins, Giancarlo Esposito, Michelle Monaghan e Bobby Cannavale.
Duração: 104 min.
Nota: 2,0/5,0

 

MaXXXine é um amontoado de referências e ideias que nunca ganham corpo, em um filme que clama por safadeza, mas não podia ser mais pudico

Kevin Bacon fazendo um detetive particular vestido de terno e chapéu branco e com um curativo no nariz, um assassino misterioso e suas luvas pretas apertando o banco do carro de raiva ao ver atrizes da indústria pornográfica, a sugestão de um duelo de pistolas em um cenário de western, a tinta vermelha escorrendo pelo ralo, dois policias brincando de good cop/bad cop, o personagem negro como o primeiro a vermos morrer, uma citação de Bette Davis, e mais e mais referências. Se o primeiro era um slasher com vergonha de ser slasher que muito se usava da imagem e das produções pornôs da década de 1970, enquanto o segundo a assassina slasher tinha o sonho de ser uma estrela na Hollywood clássica e as cores technicolor a acompanhavam, agora Ti West tem os anos 1980 como a ideia central, enquanto caminha por gêneros e subgêneros (giallo, slasher, sátira, western, noir, filme de dupla policial) e insere uma enxurrada de referências (Chinatown, De Palma, Bette Davis, Psicose, locadoras) sob essas cores, luzes e granulação da película do período, assim como os carros, os penteados, as cidades cinematográficas dos estúdios etc. Só que todo esse olhar para a década e para o cinema da época não passa de um pastiche, não há realmente uma proposta que permeie a obra, que conecte esses elementos ou dê algum peso narrativo. O comentário sobre a indústria que cria e destrói estrelas, a sátira ao puritanismo que domina Hollywood, a narrativa de Maxine (Mia Goth), a cidade como uma grande encenação, o imaginário que o cinema cria no público (como a casa de Norman Bates que se abre e esperamos o que vemos em Psicose, mas é apenas um cenário), o filme de assassino, tudo está ali, jogado de qualquer jeito, como se o fazer referência e ter uma premissa a partir dessa piscadinha cinéfila fosse o suficiente.

Mais uma vez, West morre com a suposta boa ideia, a premissa nunca materializada, que até é melhor resolvida nos dois predecessores, menos ambiciosos em quantidade de possibilidades a serem seguidas, é verdade. MaXXXine são muitos filmes e não é nenhum ao mesmo tempo. Não é giallo/slasher, nem western, muito menos um noir ou obra de investigação policial, o que chega mais próximo de existir é essa sátira declarada à indústria e aos fanáticos religiosos, mas até isso não passa de piadinhas ou de um final que surge mais como uma necessidade de fechar algo do que como parte integral da narrativa. Nesse sentido, o longa parece não só querer ser De Palma, mas visa muito a liberdade de Era Uma Vez Em Hollywood, só que enquanto Quentin Tarantino caminha com seus personagens por aqueles espaços e prolonga uma tensão a partir da ficcionalização da realidade e a dúvida da resolução, West faz de Maxine refém das referências. O longa fala tanto sobre essa personagem forte, que faz tudo por si mesma, assim como em X, a subversão da final girl, que não precisa de ajuda e pode transar à vontade (ainda que só o faça aqui como trabalho, nunca por prazer), mas, na prática, para além de dar o tiro final no vilão rendido e pisar no saco de um babaca aleatório, a personagem pouco toma a ação, ela é levada de um lado para o outro, mas quem conclui tudo por ela são os outros. “É porque agora ela está em Hollywood e essa indústria manipula e poda as atrizes”, alguns poderiam dizer e seria uma boa ideia, mais uma que não está realmente em tela.

Só que, é bem verdade que em meio a essa enxurrada de referências e escolhas estéticas para emular um outro período, West consegue tirar boas risadas ao olhar para essa indústria e até cria um senso de expectativa interessante. É como se atirasse para tantos lados que ficássemos esperando como aquilo vai se fechar unindo cada ponto citado e sugerido. E é aí que o final vem para jogar tudo por água abaixo, fazendo de um filme que tanto aponta o dedo apenas mais uma obra covarde. Resumir tudo a essa crítica ao conservadorismo poderia fazer sentido na obra daqueles que West referencia, como os Giallo ou De Palma, mas não em MaXXXine. No altamente compartilhado artigo de Raquel S. Benedict Everyone Is Beautiful And No One Is Horny (a tradução seria algo como “Todo Mundo É Bonito Mas Ninguém Tem Tesão”), que discute como a Hollywood atual dessexualiza os corpos e ninguém mais transa ou tem desejo nos filmes, ela diz em dado momento “O Universo Cinematográfico Marvel é estritamente PG-13 [classificação indicativa 12 anos, no Brasil], como se espera de um produto Disney. E mesmo no universo DC, há muito pouca sexualidade humana. As demandas dos Capefans por filmes de super-heróis mais ‘maduros’ sempre significam mais violência gráfica, não mais sexo”. 

Em teoria, West estaria defendendo o mesmo que Benedict e tantos outros autores que clamam por mais sensualidade, sexo e nudez no cinema, algo natural do ser humano que vem sendo suprimido nas telas, mas, na prática, West pouco faz de diferente em relação aos filmes da DC ou algumas obras contemporâneas de horror, a sua suposta maturidade só se apresenta graficamente em forma de sangue, de mortes chocantes, como cabeças sendo explodidas ou corpos esquartejados, mas nunca em sexo. Maxine não só não transa e nem faz menção a qualquer tipo de desejo sexual, como toda a nudez do longa é escondida, com exceção de um flash de X e de um momento rápido com dois atores fazendo uma cena pornográfica bem ao fundo. Quando pedem à protagonista para verem o seus peitos no teste para o filme, a montagem corta antes, na hora que ela vai fazer sua cena em um filme pornô temos mais uma elipse temporal, e até quando ela obriga o cara no beco a ficar pelado, a câmera de West não evidencia o assediador (possível estuprador) desnudo em posição de vulnerabilidade, ela se mantém alta, mostrando apenas o rosto e o peito e só abaixa para revelar o saco dele sendo explodido pela pisada da personagem, em mais uma demonstração de violência, e não de sexo ou corpo. 

Una isso à frase de Davis ao início do filme, sobre essa Hollywood que enlouquece as suas atrizes, sugerindo que Maxine passaria pelo mesmo processo, mas isso não existe. Na verdade, tudo que envolve a relação dela com o estúdio não poderia ser mais tranquila. Então, em um longa que tenta fechar todas as referências e caminhos com essa sátira ao puritanismo e a essa indústria destrutiva, não se faz nem um, nem outro. É um filme casto em imagem, que tem medo do sexo que tanto fala, assim como não podia suavizar mais qualquer tipo de destruição dessa protagonista, tornando-a alheia a quase tudo em seu próprio filme. A trilogia se fecha da forma que sempre foi, apenas boas premissas e muitas referências, nada além.

 

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