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|Crítica| 'Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou' (2024) - Dir. Joanna Arnow

|Crítica| 'Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou' (2024) - Dir. Joanna Arnow

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Aquela Sensação que o Tempo de Fazer Algo Passou' / SYnapse Distribution

 

Título Original: The Feeling That the Time for Doing Something Has Passed (EUA)
Ano: 2024
Diretora: Joanna Arnow
Elenco: Joanna Arnow, Scott Cohen, Babak Tafti, Peter Vack e Michael Cyril Creighton.
Duração: 88 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Com a aura típica dos filmes estadunidenses independentes, Joanna Arnow explora a partir de sua própria imagem um humor depreciativo pelo desconforto cotidiano 

Não é incomum que diretoras acabem sendo um pouco de tudo na equipe de seus filmes independentes, e, no caso de Joanna Arnow, seu produto final parece saído exatamente de onde se espera, do nicho audiovisual de Nova York. Ainda que interessante em sua proposta, muito de sua estética e encenação carece de originalidade e acaba sendo compensada no humor e no uso corajoso da própria imagem da autora ao discutir sua persona como um reflexo de como o mundo a trata, e o sexo como intermediário dessa sociedade. Ann só tem 33 anos, mas a forma como o longa retrata sua vida parece à beira de um abismo sem horizontes, muito marcado nos cortes secos que dividem as cenas como facas em pequenas esquetes cujo objetivo principal é sempre encontrar um ponto de desconforto no cotidiano das interações sociais. Como é praticamente todo filmado em ambientes fechados e bem claros no uso das cores, sem muita decoração para pontuar a falta de personalidade geral e o vazio dessa identificação da protagonista, em dado momento essa clausura começa a sufocar, então, a sensação de que as coisas estão evoluindo pela movimentação de Ann e a progressão dos capítulos passa a soar falsa, já que, na realidade, as coisas pouco saem do lugar. Logo, está na essência desse existencialismo que trabalha de forma triste e cômica a própria imagem da autora (roteirista, diretora, atriz e montadora) o fôlego que sustenta a lavagem batida dos filmes indie americanos. 

Provavelmente não existe sentimento mais atual do que essa angústia de estar estagnado na vida adulta, mas o engraçado é que Arnow não coloca em conflito esse mundo contemporâneo por seus pontos problemáticos mais característicos, a internet é precária (vide o layout do aplicativo no celular), os dispositivos pouco usados e as expectativas irreais ficam só numa sombra, como se a diretora esperasse que o espectador já carregue essa bagagem consigo ao chegar em sua obra e identificasse as questões com poucos acenos. A busca por encontros online que resulta no mesmo marasmo de sempre e as reuniões por skype que são frustrantes e praticamente sem sentido se dão da mesma forma que qualquer interação, mas parecem tecnologias tiradas de uns 20 anos atrás, da mesma forma que sua irmã é como um parâmetro feminino, da mulher que casou e formou família, enquanto todos desistiram de esperar algo de Ann, mas até esse ideal antigo desmorona discretamente enquanto a trama da protagonista segue. Enquanto os capítulos se nomeiam pelos homens que Ann encontra, a sensação é de que o tempo está passando e ela está de alguma forma avançando, porém, é uma ilusão dada pela montagem e a trilha sonora que engana algumas vezes o sentido de velocidade, Ann continua imitando como o mundo a ignora, buscando no sexo o mesmo desconforto que recebe em todos os lugares, relação após relação.

Esse interesse pelo BDSM como submissão da protagonista a outros homens é retratado com o mesmo marasmo e estranhamento com que o filme observa uma sopa sendo servida ou as reuniões de trabalho. O mundo ao redor de Ann é chato e sem personalidade porque ela mesma não encontra isso em si, então busca parceiros que a digam o que fazer, mesmo que claramente não ache alguém que a excite verdadeiramente nesse processo, pelo contrário, quase tudo a entedia na vida, até mesmo as ordens de seus mestres. O texto é bastante explicativo em alguns pontos e não esconde esse espelho que a personagem é, assim como a encenação a coloca a imitar movimentos quando descobre alguém que demonstra carinho e atenção por ela, algo tão novo que é necessário que ela aprenda os movimentos e gestos para se encaixar. E se esse relacionamento afetuoso parece um avanço, é mais uma vez uma mentira narrativa, já que Ann só está mais uma vez copiando a forma como alguém é com ela, se tornando mais falante e recebendo melhor tratamento de todos ao seu redor porque simplesmente seu parceiro age dessa forma. O ciclo é o mesmo, portanto, o sexo é extensão de como a sociedade próxima a enxerga, se está sendo ignorada e desprezada, o mesmo ocorre nas relações de dominação um tanto sem graça, se recebe afeto e começa a ser ouvida, o mesmo ocorre no trabalho e assim por diante. 

Arnow se fecha então nessa lógica contemporânea e capitalista em que sua personagem é seu trabalho, seus relacionamentos, sua casa e o mundo ao seu redor, embora tentem nos dizer o oposto. Ann é exatamente as paredes brancas sem quadros, a sopa sem graça que faz no microondas, o emprego chato que ninguém nem notou que ela já está há anos e conseguiu permanecer relevante provavelmente por isso, o sexo esquisito em que ela nunca goza, as relações frias, distantes e desconfortáveis de sua vida. Ela é o espelho de tudo isso, um amontoado sem personalidade exposto em um corpo nu que tanto busca o sexo mas não encontra o prazer. Está nesse marasmo de existir o que há de mais interessante no humor depreciativo de Aquela Sensação Que o Tempo de Fazer Algo Passou, em que o desconforto é regra de cada cena e não existe jornada em frente, apenas um círculo em que sua protagonista segue da mesma forma do começo ao fim. 

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