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|Crítica| 'O Melhor Está Por Vir' (2023) - Dir. Nanni Moretti

|Crítica| 'O Melhor Está Por Vir' (2023) - Dir. Nanni Moretti

Crítica por Victor Russo.

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'O Melhor Está Por Vir' / Pandora Filmes

 

Título Original: Il Sol Dell'avvenire (Itália)
Ano: 2023
Diretor: Nanni Moretti
Elenco : Nanni Moretti, Margherita Buy, Silvio Orlando, Mathieu Amalric e Barbora Bobulová.
Duração: 96 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Ao confrontar sua tradicional metalinguagem irônica com a era do conteúdo digital, Nanni Moretti transforma a si mesmo em uma entidade cinematográfica jurássica

Desde a primeira exibição de “O Melhor Está Por Vir” no Festival de Cannes 2023, onde o longa teve uma inexplicável rejeição pelos críticos mais influentes e conhecidos do mundo, muito se ressaltou da sequência em que Moretti encontra executivos da Netflix para falar sobre a sobrevivência do seu filme em produção. Entretanto, por mais que tal cena revele de forma bastante escancarada esse confronto entre o cineasta e essa nova visão mercadológica de fazer e consumir cinema, transformando a arte em conteúdo proposto e revisado por algoritmo, e tornando os representantes do streaming nessa caricatura dos “assassinos do verdadeiro cinema”, o que há de mais poderoso nesses poucos minutos é quando o cineasta-protagonista rejeita o clichê de que todo personagem precisa de um arco de desenvolvimento. Para além da piada com mais um senso comum da atualidade que sempre está presente naquela forma pré-moldada de fazer e debater cinema, quando Moretti defende que as pessoas não mudam realmente (ou não completamente) na vida real, o que temos é um cineasta que não quer a transformação e, por isso, se coloca nessa posição de entidade defensora do cinema puro.

Claro que nada é muito concreto na abordagem de Moretti, o cineasta italiano sempre usou da sua figura real transformada no cinema, em uma linha difícil de delimitar até onde vai a realidade e em que momento começa a ficção, como uma maneira não só de reforçar uma visão mais inflexível na sua forma de pensar o mundo e o cinema, mas principalmente abrindo o leque de possibilidades interpretativos. Isso porque nunca é fácil realmente identificar quando Moretti está falando sério e quando está tirando sarro de si e da sua classe, a partir do momento em que a ironia e o descompromisso com um rigor formal mais clássico permeiam todas as suas obras, ou quase todas, já que o seu filme mais conhecido (“O Quarto do Filho”) é na verdade o que mais se diferencia do restante da sua filmografia. Porém, se a indignação do cineasta sempre foi transformada em humor, às vezes atingindo um caráter surrealista pelo exagero, como a alergia em “Caro Diário” ou o jornal gigante de recortes em “Abril”, “O Que Está Por Vir” não se permite tanto a essas fugas. É um longa mais obstinado, a revelação de um cineasta cansado e sem tempo a perder, muito representado em quando Moretti diz não poder demorar tanto mais entre um filme e outro. Em algum sentido, seu novo longa adquire muito daquele tom mais pessimista dessa fase da vida de um artista que já aparecia em “Mia Madre”, mas, aqui, com um foco muito mais certeiro e obstinado.

Assim, até o núcleo tradicional, muito comum em suas obras, transforma-se em uma continuação direta ao tema central. Margherita Buy, a principal colaboradora nos filmes recentes de Moretti, é mais do que uma esposa cansada com o marido, é o último pilar de resistência em defesa do cineasta. Quando nem ela mais o aguenta, o diretor se transforma finalmente nessa figura sem espaço, que sustenta uma resistência que já não é mais ouvida. Só que, ao mesmo tempo, entendemos e defendemos a decisão dessa mulher, já que o seu marido é insuportável (não há outra palavra para descrever a versão cinematográfica de Moretti), retornando mais uma vez ao que há de mais delicioso na ironia do italiano. Com certeza, ele odeia o rumo que o cinema está tomando, como essa arte da era do capitalismo que sempre é engolfado pelas mudanças tecnológicas do mundo e agora vira em grande parte um mero dispositivo de conteúdo/entretenimento que se adequa às redes sociais. Todavia, em meio a esse filme testamento, ele reconhece e ironiza esse lugar intransigente em que se coloca, representado na incrível sequência do filme que ele pausa na cena final para impedir que a violência seja filmada daquela forma. É nesse lugar de entidade que Moretti se posiciona, a necessidade de um dever ético e moral para com o cinema, o reconhecimento que diferencia tal arte das demais vai se perdendo a partir do momento em que o “como filmar” é visto com irrelevância frente ao entretenimento da história. Mais uma vez, o seu conflito é com alguém mais jovem, cheio de ideias, mas que, no fim, pouco confronta esse sistema de dominância. Ao transformar tal sequência em uma comédia exagerada e que no final a cena é filmada exatamente como estava planejada inicialmente, Moretti reconhece o resultado da sua própria rigidez, assim como a rejeição à Netflix que paralisa sua obra ou a aceitação dos produtores coreanos. Em meio a toda ironia e comédia, o cineasta italiano carrega mesmo uma melancolia, o entendimento de que se tornou um ser jurássico e que toda a sua resistência pouco será efetiva frente a um sistema que o engole. Ele virou a piada e a barreira agora fácil de superar (visto também em como sua esposa finalmente consegue se libertar dele). É o anúncio de mais uma das tantas mortes do cinema que foca em rostos de pessoas mais velhas ao final com a ironia do título “O Melhor Está Por Vir” (ou o título original “Il sol dell'avvenire”, algo como “O Sol do Futuro”), o entendimento de que o amanhã não vai brilhar mais claro do que o hoje e tal entidade cinematográfica está cansada demais de lutar pelos seus ideais.

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