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|Crítica| 'Os Filhos dos Outros' (2023) - Dir. Rebecca Zlotowski

|Crítica| 'Os Filhos dos Outros' (2023) - Dir. Rebecca Zlotowski

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Os Filhos dos Outros' / Synapse Distribution

 

Título Original: Les Enfants des Autres (França)
Ano: 2023
Diretora: Rebecca Zlotowski
Elenco : Virginie Efira, Roschdy Zem, Chiara Mastroianni, Callie Ferreira-Gonc e Yamée Couture.
Duração: 104 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Drama de Rebecca Zlotowski explora os papéis femininos nas estruturas familiares e sociais aproveitando muito bem o magnetismo de Virginie Efira 

Curiosamente, “Os Filhos dos Outros” remete de algumas formas a outra obra recente, “A Pior Pessoa do Mundo” (Joachim Trier, 2021) e não só por ambos apostarem em versões internacionais de Águas de Março para encerrarem suas observações da vida de duas mulheres, mas por suas formas parecidas de retratar a humanidade dos personagens e acompanhar por uma fresta de individualidade um recorte maior de uma fase da vida. No caso de Zlotowski, muito mais especificamente feminino que no filme de Trier que dá margem para uma identificação mais abrangente, a diretora francesa se dedica não apenas a explorar a fase dos 40 anos, mas também as implicações de ser mulher e solteira nessa posição, as necessidades, desejos, sonhos e realizações, mas também todas as problemáticas atreladas aos papéis de gênero e em como o tempo pode ser bem pouco gentil com o relógio biológico feminino. Para tal, Zlotowski trabalha de início uma aproximação mais sensual de Rachel, aproveitando todo o magnetismo da atuação encantadora de Virginie Efira, introduzindo aos poucos o desejo da mulher de ser mãe e, com bastante delicadeza, adicionando mais complexidade à sua personalidade. Em nenhum momento o filme perde a leveza, caminha com sua narrativa facilmente e mesmo nos conflitos, não há vilões nessa história, são todos humanos com seus erros e acertos, tentando navegar por essa fase da vida. 

Há um encantamento do filme com sua protagonista, colocando um brilho em tudo que acontece com Rachel, sem cair em dramalhões. Mesmo nos momentos difíceis, a narrativa busca criar uma relação agradável entre o espectador e a obra, essa mulher não nos pede compaixão, pena, nem mesmo um rancor quando seu namorado a deixa. Quando pensamos em filmes que exploram a fase dos 20 e dos 30, existe quase sempre uma necessidade de se encontrar, se conhecer melhor, entender o que se quer da vida, mas em “Os Filhos dos Outros”, Rachel é uma mulher já bastante consolidada e que, embora descubra novas coisas com suas vivências desta fase, compreende bem a si mesma. É assim que as grandes emoções do longa vem muito mais de uma admiração ao conhecer essa mulher como ela é do que de uma jornada de entender junto a ela o seu papel. Talvez a reflexão mais importante aqui seja sobre essa função de madrasta, ao colocar Rachel nesse lugar da mulher que tem responsabilidades, obrigações e laços afetivos fortemente criados na estrutura familiar, mas que sempre se sente deixada de lado, como uma figurante na vida dessa criança. O que é esperado, cobrado e dado em troca para as mulheres é sempre refletido gentilmente nos acontecimentos da obra, sem colocar Rachel numa posição totalmente frágil, ela se permite a vulnerabilidade, mas sempre é firme ao expor seus sentimentos e decisões. 

O trabalho de Efira é fundamental nessa construção. Além do olhar de Zlotowski sempre exaltar o magnetismo, a sensualidade e a força dessa mulher, a atriz entrega toda a confiança e estrutura que essa personagem precisa. Quando sua história é introduzida, todos os personagens parecem flertar com Rachel, até seus alunos bem jovens, mas o longa nunca cai numa fetichização da mulher mais velha, lidando com honestidade com a sexualidade. É bem verdade que todos os homens parecem encantados por ela, mas a professora sempre está no controle dessas situações. Com seu aluno, por exemplo, mesmo que exista esse olhar dele para ela em muitos momentos, Rachel exerce mais uma figura materna na vida do jovem, se impondo como alguém que quer o ajudar, nunca abrindo outras brechas. Assim como a relação com um colega de trabalho tem seu total controle para se desenrolar quando ela decide, sempre a colocando nessa posição sólida e bem resolvida.

A trama bastante serena de “Os Filhos dos Outros” é capaz de trazer leveza até para as questões mais complexas que aborda, como a corrida contra o tempo que as mulheres de mais de 40 anos que querem ter filhos biologicamente enfrentam. Há sempre otimismo nesse desejo que Rachel só descobre com sua relação com Leila, nunca retratando suas tentativas frustradas como algo terrível, mas mais uma parte da vida. Da mesma forma, a triste separação do núcleo familiar em que estava inserida não busca vilanizar o ex Ali (Roschdy Zem), nem a mãe da menina. São todos humanos em fases mais maduras de suas vidas, e embora ainda exista muito o que se compreender, descobrir e enfrentar, o filme denota essa capacidade individual de lidar com as adversidades e seguir em frente, sem maiores dramas. 

É muito gentil a forma que Rebecca Zlotowski escolhe retratar tanto essa idade, quanto o papel feminino, em todas as vulnerabilidades e adversidades que existem, mas com toda a força adquirida durante a vida. E sempre dizendo que ainda há muito mais por vir, seja nas transições que parecem fazer Rachel renascer no mundo a cada nova experiência, ou na forma em que ela encara seu futuro. Mesmo que um homem bem idoso a diga que seu relógio está correndo rápido demais, ela parece ter bastante tranquilidade para caminhar no seu próprio tempo.

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