|Crítica| 'O Conde' (2023) - Dir. Pablo Larraín
Crítica por Victor Russo.
'O Conde' / Netflix
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O virtuosismo estético afastado e descolado da narrativa encontra a sátira contemporânea espertinha e autoimportante
Setembro chegou e junto vieram aqueles festivais que cada vez mais se desvirtuam da importância de um festival de cinema para o cinema e se entregam para o Oscar, disputando até o posto de “principal prévia” da premiação. As vitórias de “O Acontecimento” e “All The Beauty and The Bloodshed” em anos anteriores podem até dar a impressão de que Veneza tentava se distanciar dessa sombra da premiação americana, mas pensar isso é uma ilusão, comprovada pelo Leão de Ouro para “Pobres Criaturas” em 2023. É para esse momento do ano (que se estende até dezembro) que os estúdios guardam os seus melhores filmes, pelo menos em teoria. Isso fica claro quando analisamos, por exemplo, o catálogo da Netflix e como, de repente, chega aos montes obras com a carinha do Oscar. Só que é ingenuidade acreditar que realmente esses são os melhores filmes do ano, quando, na verdade, em meio a alguns bons filmes, o que temos é simplesmente uma fórmula do que a Academia americana acredita ser ou vende como “verdadeira arte”. Poucos longas se encaixam tão bem nessa lógica quanto “O Conde”.
Pablo Larraín sempre foi um cineasta marcado por uma certa hiperestilização, ao mesmo tempo que muitas vezes essa estética que chama atenção para si tem como consequência um certo afastamento emocional para com o espectador, algo muito presente em “Jackie” e “Ema”, também visto em certos momentos de “Spencer”. Entretanto, tais obras ainda encontram uma certa coerência narrativa, seja na encenação mais livre de “Ema”, seja na busca por um afastamento para com o mundo em “Jackie” e “Spencer”. Já em “O Conde”, o uso de um preto e branco contrastado com lentos travellings contemplativos pouco conversam com essa sátira política que busca ironizar, denunciar e revisar uma das mais atrozes ditaduras da América do Sul e sua figura central: Augusto Pinochet.
Claro que transformar o autocrata em um um vampiro chupador de sangue e que deixa corpos por todos os lados não poderia ser uma metáfora mais óbvia, mas essa piada mais direta por si só está longe de ser um problema. Entretanto, Larraín nunca parece se divertir com a sua premissa ou ironia àqueles personagens macabros. A frontalidade da sátira ou dos filmes de vampiro são rejeitados com total veemência, enquanto a fórmula da suposta “verdadeira arte” domina a tela. É a contradição da sátira contemporânea que vem ganhando cada vez mais espaço ao ser premiada em festivais e premiações da indústria americana. Basta transformar os personagens em seres estúpidos e vazios, enquanto o cineasta se coloca em um pedestal, mas no processo não só ridiculariza aqueles seres vis, como acaba por diminuir o espectador. Ao se posicionarem no lugar de detentores do conhecimento, acreditam que o público, como seres também intelectualmente inferiores, não seriam capazes de entender suas sacadinhas geniais, e, para isso, vira um festival de explicar e reexplicar piadas. Recentemente foi Mckay, Östlund, Mylod e Hausner, agora é a vez de Larraín mergulhar nessa fórmula.
Surge então um evento contraditório, pois, o filme a todo instante rejeita uma narrativa mais direta. Só que, ao mesmo tempo, sente uma necessidade de abandonar a sugestão para que o seu importante discurso político seja entendido. É como se esse ar de autoimportância dominasse a tela. É o preto e branco, o travelling, mas também as piadinhas políticas. É a fórmula perfeita para agradar essa elite hollywoodiana que aplaude tanto uma estética vazia quanto aquelas críticas sociais fodas de thread de tweet. Larraín só esquece de gerar qualquer conexão com o espectador no processo, algo secundário para essa elite intelectual seguidora de cartilha.