|Crítica| 'Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você' (2023) - Dir. Roberto de Oliveira
Crítica por Victor Russo.
'Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você' / O2 Play
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“Elis & Tom” minimiza o acontecimento (gravação do álbum e suas imagens) para apostar no convencional, terceiros comentando sobre o objeto de interesse
Em meio a uma montagem que destaca não só elementos musicais, mas principalmente os rolos de filme, o documentário abre declarando a importância daquele álbum que quase nunca existiu e o quão fascinantes são as imagens gravadas durante aquele período de 1974, em Los Angeles. Mais do que isso, é um dos poucos momentos da obra em que o diretor, Roberto de Oliveira, coloca-se em primeiro plano para dizer o quanto foi cobrado por não ter feito esse filme antes e que agora todos aqueles momentos incríveis, gravados em 16mm, foram restaurados em 4K. É uma propaganda que o filme faz para si mesmo sobre aquele material, criando uma mística e um prenúncio sobre o que nos será mostrado, como uma revelação deslumbrante. É inevitável, então, que o público crie um interesse em ver aquelas imagens guardadas por quase 50 anos. Entretanto, o interesse pela revelação construído na abertura pouco efeito tem nos 90 minutos de projeção, já que “Elis e Tom” olha muito menos para esses filmes restaurados do que para a construção mais convencional daquele evento, por meio de entrevistas dos que viveram tudo aquilo de perto e de admiradores de Elis Regina e Tom Jobim.
A escolha por uma primeira parte com a finalidade de simplesmente situar, ainda que bem por cima, quem era Elis e Tom no momento em que o álbum seria gravado, mostrando quais eram os seus estilos e dotes musicais e, ainda mais, qual era o sucesso nacional e internacional de cada um, apenas reforça a visão de todo o documentário. Há um senso de biografia tradicional, daquelas que sentem a necessidade de passar superficialmente por boa parte da vida dos biografados, já que, teoricamente, grande parcela do público desconheceria tais figuras e só se interessaria por elas se recebesse o máximo de informações possível. Se tal escolha já não funciona na imensa maioria das cinebiografias ficcionais, aqui cria um agravante quando o filme justamente teria a proposta de falar sobre um momento específico na vida desses dois grandes artistas. É verdade que mostrar rapidamente a dimensão deles poderia fortalecer a base para quando finalmente fôssemos jogados naquelas imagens de arquivo e na intimidade artística e pessoal de dois gênios que precisariam aprender a dividir o protagonismo.
Porém, esse momento extremamente anunciado pela própria obra nunca chega realmente. É até difícil realmente conhecer Elis e Tom, já que os pequenos fragmentos deles são sempre entrecortados por opiniões de terceiros. Fica uma sensação amarga de que o filme não confia nas próprias imagens, ou ainda pior, que as imagens não seriam tão interessantes assim a ponto de render um documentário (o longa tem apenas 90 minutos e deles no máximo uns 10 ou 15 são dessas imagens restauradas). Soa como um tradicional filme de homenagem, que pega figuras históricas e as exaltam a partir dos relatos de outros. Aqui ainda tem o agravante de todo o conflito inicial entre eles, a ideia de que aquele álbum quase não existiu, pois eles teriam visões opostas e egos conflitantes. Simplesmente não tem mais do que poucos segundos desse que é um dos temas centrais, senão o tema principal de toda a obra.
Em certo sentido, Roberto de Oliveira aceita esse papel de retrato histórico. Para ele, mais importante do que nos fazer sentir aquele momento e toda a pulsão artística nervosa e explosiva é colocar essa história de bastidores em evidência, ainda que muito mais por meio de palavras do que de imagens. É uma falta de confiança no público em desvendar aquelas imagens e decifrar os personagens. E, ainda que seja gostoso ouvir aquelas histórias ou escutar Tom e Elis cantando juntos por alguns segundos, “Elis e Tom” nunca faz jus ao que promete, nem em revelação, nem em construção de duas figuras monumentais da nossa música e menos ainda em sua paixão por aquele álbum, já que nem as músicas e seus ensaios vemos para além de duas ou três. Para artistas tão fora do comum, é triste que a abordagem seja a aceitação do convencional, com direito a linha do tempo e tudo.